São Paulo, domingo, 25 de junho de 2006

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MÔNICA BERGAMO

Ana Ottoni/Folha Imagem
As atrizes Mara Manzan, ao fundo, e Marília Pêra se preparam para gravação de cena da novela "Cobras & Lagartos", que se aproxima dos 40 pontos no Ibope

Os bastidores de "Cobras & Lagartos", que tem até uma Daslu de mentirinha

Champanhe, camarões e escargot

A ORIENTAÇÃO DO autor João Emanuel Carneiro para o capítulo 51 de "Cobras & Lagartos" pede luxo: "Milu (Marília Pêra) à mesa de jantar, à meia luz, castiçais com velas acesas, pratos maravilhosos". A produção caprichou: há champanhe em baldinho de prata, siri, escargot e até taças de coquetel de camarão. A atriz Carolina Dieckmann (Leona), que come pétalas da alcachofra que estará na cena, olha torto para a mesa. "Ai, Bira, credo! O que é isso? É perna de siri?", pergunta a um câmera. "Ai, mas isso aqui é chique? Credo, Bira, que nojo. Muito nojento!", continua, agora analisando o prato de escargot: "E esse aqui, tem que quebrar pra comer? Você vai chupando e aí vem o treco gosmento? Ai, que nojo! É chique?".

 

"O público mais pobre, em geral, é louco por luxo", define João Emanuel Carneiro. O diretor Wolf Maya concorda. "[O público] pode até não entender o que é foie gras, mas sabe que é alguma coisa diferente. Adora a Ellen [Taís Araújo], por exemplo, que é uma negra super sofisticada", diz Wolf, que se prepara para dirigir outra cena em um ambiente sofisticado: um falso faxineiro tentará roubar uma pedra preciosa em um salão da loja Luxus.
 

A Luxus, principal cenário da novela, é cópia de lojas como a paulistana Daslu, que, como a butique da novela, tem arquitetura neoclássica e vende de jóias a helicópteros. E Eliana Tranchesi, dona da butique de SP, o que acha da semelhança? "Ela adorou", diz Wolf. "Adorou, adorou! Até veio aqui dar uma palestra para os atores." Eliana explicou aos atores que "trabalham" na Luxus -a vendedora Ellen (Taís Araújo), por exemplo- como tratar a clientela. E como funciona o mundo da Daslu.
 

No estúdio, 16 figurantes estão à postos para interpretar vendedores e clientes da Luxus na cena do assalto. Todos têm pele clara; as mulheres têm cabelos alisados na chapinha.
 

Na Luxus, as jóias são bijuterias, o lustre de cristal é de vidro, os Rolex em redomas são da marca Seculos. No teto e nas paredes, afrescos com anjinhos, árvores, índios, abacaxis, espigas de milho. Na entrada, há jarros de prata para lavar os pés dos clientes. Para a ala audiovisual da loja, a produção providenciou CDs, DVDs (só as caixinhas) e fitas de vídeo. Como não são filmados de perto, até dois vídeos pornôs foram colocados na prateleira.
 

Vai começar a cena do assalto: o farsante, flagrado na tentativa de roubo, será expulso da loja por seguranças. Wolf manda rodar o primeiro take. E se irrita. "Ah, não dá! Meus amores, vou precisar fazer tudo de novo porque um senhor de camisa vermelha não prestou atenção na cena. Vamos ser inteligentes: vocês têm que reagir, ficar espantados", reclama. "Está muito ruim a figuração. Vamos ter de fazer tudo de novo. Tem um que está "cagando" para a cena."
 

Broncas à parte, Wolf é bem humorado nos bastidores e tece elogios ao elenco. "Veja ela [Christiana Kalache] em cena, é maravilhosa. Isso é talento, é ator de teatro. O texto do João é elaborado, não é para qualquer ator que veio da "Malhação"."
 

A novela tem raspado nos 40 pontos de Ibope. Em clima relaxado, o elenco se diverte nos bastidores. Na ante-sala do estúdio, um cercadinho de uso exclusivo dos atores, a TV 20" exibe futebol: Argentina zero, Holanda zero.
 

Henri Castelli, olhos grudados no futebol, está vestido de noivo. "Henri, vem casar", convoca Wolf Maya, entrando no estúdio. Mas Henri não arreda pé da TV.
 

É clima de Copa no estúdio. Taís Araújo (Ellen) e Lázaro Ramos (Foguinho), namorados na vida real, gravam juntos. Ela deve dizer: "O rubi eu perdôo, mas a humilhação, não". Na hora do "gravando!", troca as bolas: "O Robinho eu perdôo, mas... [Gargalhadas]. "Desculpa, desde ontem que estou com o Robinho na cabeça! Só penso no Robinho."
 

Outra cena: Taís tem de desfazer as malas e jogar as roupas na cara de Lázaro. "Ai!", diz o ator, aos risos. "Humm, joguei a roupa com cabide e tudo na cara dele."
 

Com um lencinho, a camareira enxuga o suor de Taís. Cada atriz tem uma nécessaire com seu nome em poder das camareiras. As de Carolina Dieckmann e Mariana Ximenes são as maiores: o triplo da de Marília Pêra. Para Mara Manzan, que faz papel de empregada, apenas um batonzinho.
 

Às 11h de quinta, dia seguinte ao da gravação, a coluna encontra João Emanuel Carneiro em um bar do Leblon. "Pra mim é bom vir para a rua, porque trabalho muito. Em "Da Cor do Pecado" [primeira novela do autor, em 2004], eu fiquei dois meses sem pôr os pés na rua. Não faço mais essa loucura."
 

Antes ainda da estréia da novela, ele se viu no centro de uma incômoda polêmica: o cineasta Walter Salles, seu amigo, o acusou de plagiar personagens de um filme dele, Salles, que teve participação de João no roteiro. Foi, tudo indica, traumático: João não fala sobre o assunto. A conversa com a coluna foi acompanhada por uma assessora da TV Globo. Que alertou que qualquer pergunta sobre o tema não seria respondida. A coluna insistiu. João e a equipe da Globo não mudaram de idéia. "Prefiro não comentar nada", disse ele.
 

João acorda às 9h e, duas vezes por semana, faz musculação. "Vou às 13h, no horário das peruas", conta. "Já usei cenas que vi na academia na novela, como mulher fazendo ginástica maquiada", diz, ascendendo um cigarro (ele fuma um maço de Marlboro por dia) após sorver uma xícara grande de café. De calça Alexandre Herchcovitch e camiseta Osklen, ele diz que o mundo do luxo "nunca me interessou". À Daslu "de verdade", João só foi uma vez, pouco antes da novela entrar no ar. "Comprei lençóis, louça, essas coisas para casa. Mas paguei baratíssimo".
 

Por não ser um rosto conhecido do público, o autor costuma se infiltrar em locais públicos para ouvir a opinião dos espectadores sobre a novela. "Venho ver a novela no bar. Olho as pessoas que caminham na rua e fico irritado por elas não estarem em casa vendo a novela".
 

"E meu maior pânico é ficar doente", conta João. "Em "Da Cor do Pecado", tive um piriri que durou uns quatro dias", relata. "O pânico do autor de novela é pensar em não ter capítulo para colocar no ar. Imagine se chega um dia e não tem a novela das sete. Seria um problema de caos público, uma hecatombe para o Brasil."


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