São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2008

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"Minha ficção se debruça sobre medos e desejos"

À Folha, Neil Gaiman enfatiza a importância da esperança nas histórias infanto-juvenis, "sejam elas alegres ou tristes"

Escritor, que bateu recorde de autógrafos no Brasil em 2001, diz que movimento punk influenciou tanto sua estética quanto sua ética

Divulgação
Ilustração de Kelley Jones para o personagem Sandman, na série homônima

EDUARDO SIMÕES
DA REPORTAGEM LOCAL

O mestre dos sonhos Neil Gaiman, 47, vem ao Brasil pela terceira vez na próxima semana, quando participa da mesa "A Mão e a Luva" (5/7), na sexta edição da Festa Literária Internacional de Parati.
Com Gaiman, a Flip se volta pela primeira vez ao universo das histórias em quadrinhos, formato que ele ajudou a revolucionar com a série "Sandman", publicada nos EUA entre 1988 e 1996, e cuja primeira tradução foi brasileira.
"Desde então, os quadrinhos vêm sendo reconhecidos como literatura, e isso, de certa forma, aconteceu no Brasil antes de muitos países", diz Gaiman em entrevista à Folha.
O escritor lembra que há 22 anos era jornalista e tentava escrever sobre quadrinhos em Londres, mas não conseguia fazer com que seus editores se interessassem. Isso, apesar de artistas como Frank Miller e Alan Moore já estarem lançando marcos como "O Cavaleiro das Trevas" e "Watchmen".
"Já havia um corpo de trabalhos sem paralelo no meio, em língua inglesa. Houve, então, uma geração que, como eu, cresceu lendo aquelas histórias. E há cerca de oito anos essas pessoas se tornaram editoras e passaram a encomendar as "graphic novels". Hoje, estamos num mundo em que a revista "Entertainment Weekly" lista, entre os cem mais importantes livros dos últimos 25 anos, títulos como "Watchmen", "Maus" e "Sandman"."

Recorde de autógrafos
Gaiman esteve no Brasil em 1996 e em 2001. Na segunda vez, bateu seu recorde de autógrafos numa livraria em São Paulo, assinando exemplares de "Sandman - Os Caçadores de Sonhos" para cerca de 1.200 fãs. "Autografei até as 2h da manhã e, ao final, não tinha mais voz. No dia seguinte, fiz uma coletiva de imprensa completamente afônico. Como meu intérprete vinha ouvindo muitas daquelas mesmas perguntas, eu cochichava para ele: "Você pode responder essa, né?"."
A tirar pela troca de mensagens de fãs no fórum do site www.sonhar.net, dedicado à obra de Gaiman, é de se esperar que uma nova horda de "gaimaníacos" vá a Paraty atrás de autógrafos nas cópias de dois livros que estão saindo no Brasil por conta da Flip: "O Mistério da Estrela - Stardust", cuja adaptação para o cinema foi lançada no ano passado; e "Coisas Frágeis", livro com nove contos, entre eles "Golias", que explora o universo do filme "Matrix".
"Stardust" é um conto de fadas intencionalmente leve, alegre e mágico, e foi bem filmado, em minha opinião. "Coisas Frágeis" é uma coletânea de contos muitas vezes sombrios. Provavelmente muito longa. Eu deveria pensar numa "director's cut" [versão do diretor], que teria apenas dois terços do tamanho", diz o escritor.
Gaiman ressalta que sua obra se debruça quase invariavelmente sobre os medos e os desejos primais. No caso de "Os Lobos Dentro das Paredes", livro infantil lançado no Brasil em 2006, a história da menina assombrada por lobos em sua casa é tanto uma fábula sobre o medo quanto sobre a coragem para dominá-lo.
"O mais importante não é dizer que os dragões existem, e, sim, que eles podem ser derrotados. Você pode lutar e vencer os dragões que tem em si. E isso é algo especialmente relevante em histórias infanto-juvenis, porque você está dizendo para as crianças e os adolescentes que há esperança. Assim é em toda a minha ficção, seja ela triste ou alegre", afirma.

Punk
Há 16 anos vivendo nos Estados Unidos, Gaiman se aproximou da indústria cinematográfica e vem escrevendo roteiros como o do longa "Beowulf" (2007), ou as versões de seus livros "Coraline" e "Os Filhos de Anansi", ambos editados no Brasil. Seu nome também tem aparecido associado ao do diretor mexicano Guillermo del Toro ("O Labirinto do Fauno"), na adaptação de "Doutor Estranho", do quadrinista americano Steve Ditko, um dos criadores de "Homem-Aranha".
O envolvimento de Gaiman com o cinema faz parte do que o autor chama de estética e ética herdadas do movimento punk, que o escritor diz ter vivido de perto, durante a sua adolescência, na Inglaterra.
"A maior influência que tive do punk foi a idéia de que você não precisava de nenhuma qualificação para fazer determinada coisa. Simplesmente tinha de fazê-lo. O movimento me ajudou a ser um escritor que faz tudo. Sua ética tem sido extremamente forte e poderosa para mim."


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