São Paulo, quinta-feira, 25 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Aderbal, o caçador

Depois de dirigir "Hamlet" e "As Centenárias", Aderbal Freire-Filho transforma em teatro a aventura "Moby Dick", sobre a caça a uma baleia

Daryan Dornelles/Folha Imagem
O diretor Aderbal Freire-Filho, que estreia em julho uma adaptação para os palcos de "Moby Dick", posa no teatro Poeira, no Rio

LUCAS NEVES
ENVIADO ESPECIAL DO RIO

Em 1959, aos 18 anos, Aderbal Freire-Filho deixou o Ceará para ser técnico em prospecção da Petrobras, no Rio. Às vésperas de ser mandado para uma plataforma em alto-mar, largou o emprego. Era teatro, e não petróleo o que ele queria passar os dias buscando.
Cinquenta anos depois, em um reencontro com o mar, o diretor empunha arpões e lanças para extrair dramaturgia de "Moby Dick", calhamaço em que Herman Melville narra o périplo de um navio baleeiro no encalço do cachalote do título. Aderbal exibe o resultado de sua caçada a partir de meados de julho, no palco do teatro Poeira, no Rio.
Não é a primeira vez que a "perseguição" ao teatro conduz o diretor a um romance. Em 1990, levou à cena "A Mulher Carioca aos 22 Anos", de João de Minas, em montagem que lhe valeu o Prêmio Shell de direção. Mais recentemente, colheu elogios pelas transposições de "O Que Diz Molero" (2003), de Dinis Machado, e "O Púcaro Búlgaro" (2006), de Campos de Carvalho.
Em "Moby Dick", entretanto, ele se arrisca pela primeira vez a intervir no texto-base -os três espetáculos anteriores eram fidelíssimos aos livros, com cortes pontuais. Aqui, apesar de a história do barco Pequod servir de bússola, há espaço para cenas de caçada, personagens e diálogos imaginados por Aderbal.
Ele também insere citações a Edgar Allan Poe ("Arthur Gordon Pym") e Castro Alves ("Navio Negreiro"), entre outros.
Profícuo escritor de orelhas, prefácios e posfácios (ou "grande escritor menor", como ele se define, às gargalhadas), Aderbal achou que era hora de voltar a investir na dramaturgia de próprio punho, depois de incursões bissextas nos anos 90 (veja no quadro ao lado). Além de "Moby Dick", esboça um texto inspirado em Ulisses, seu personagem no filme "Juventude", de Domingos Oliveira.
"Ao encontrar o teatro, o que queria era escrever e atuar. A direção foi um acaso, e descobri nele a minha vocação", diz ele, negando que busque, com o novo flerte com a dramaturgia, deixar mais evidentes suas marcas autorais:
"Me sinto inteiramente autor na direção, apesar de um autor desconhecido, porque ninguém sabe o que faz um diretor. É o grande mistério da fruição do teatro. Mas tenho a vaidade de um chofer de táxi que quer um carro bonitinho. As autorias que o palco me dá são suficientes."

Advogado e galã do rádio
Antes de descobrir a vocação para a direção teatral (e depois da meteórica carreira como técnico em prospecção), Aderbal voltou ao Ceará por pressão da família e cursou direito. O único alento eram os trabalhos informais para uma rádio local, onde chegou a ser galã.
Foi como locutor que voltou ao Rio no começo dos anos 70, para logo criar encenações em que, como gosta de dizer, "no princípio, está a ação, não o verbo; a palavra vem como consequência da ação".
Aderbal leva essa noção para fora do palco. Na conversa com a Folha, na plateia do teatro Poeira, ele é a encarnação desse teatro ativo, enérgico. Leva uma mão ao alto para indicar "a estrela que guia o teatro de hoje, entre o dramático [de ação, diálogo] e o épico [narrativo]".
Pouco depois, os dedos tocam a vista quando Aderbal rememora o "desejo de teatro que havia por trás destes olhos" desde a primeira "ponta", aos 13, numa peça de estudantes de filosofia.
Não tardará a se levantar da poltrona para reencenar, no vazio, mas com gestual preciso, uma cena-chave de sua montagem para "Sonata de Outono", em que a personagem de Marieta Severo deixa a filha (Andréa Beltrão) só ao piano e parte, levando uma mala. Quando a reportagem se dá conta, Aderbal já se encarapitou no palco, pronto para recriar, com os objetos que tem à mão, o cenário de um espetáculo de 75.

Hermetismo
A defesa de um teatro que não se curvasse à literatura -mas visse na palavra uma benesse, como frisa Aderbal- não agradou à crítica, no início da carreira do diretor. Muito se falou num hermetismo excessivo de montagens como a de "A Morte de Danton" (1977), encenada num canteiro de obras do metrô carioca.
"A crítica ainda tinha parâmetros naturalistas que vigoravam desde a virada do século 19 para o 20", lembra Aderbal. "Tem gente que hoje fala: "Ah, que saudades do TBC [Teatro Brasileiro de Comédia]". Tudo o que a gente faz hoje é muito melhor do que o TBC. Aquilo era bom naquela época [décadas de 1940 e 1950], inovou ali. Não foi esse o meu padrão, daí terem me tachado de maldito."
Hoje, apaziguado com a crítica, ele curiosamente se vê associado ao "teatro de estrelas" -Wagner Moura está à frente de "Hamlet", e Marieta Severo e Andréa Beltrão, de "As Centenárias". "Não me rendi ao comercial. Ocorre que o meu teatro, com minhas obsessões, agora tem público." A troca na área de prospecção, 50 anos atrás, valeu a pena.


Texto Anterior: Mônica Bergamo
Próximo Texto: Teatro: Musical com Marcelo Mansfield estreia hoje
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.