São Paulo, Sexta-feira, 25 de Junho de 1999
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MÚSICA ERUDITA - ANÁLISE
Filarmônica de Berlim faz feliz escolha com Rattle

DIOGO PACHECO
especial para a Folha

Não tenho dúvidas de que a Orquestra Filarmônica de Berlim é hoje a melhor do mundo. Seu som é incomparável. Redondo, reverbera gostoso, natural, nunca termina bruscamente. Nenhuma outra, entre as melhores do mundo, tem essa qualidade.
Além disso a orquestra tem um equilíbrio perfeito entre os seus naipes de instrumentos. Quando um som de uma frase passa de um instrumento para outro é como se soasse como um poema de Mallarmé, em que as palavras se fundem na página com uma beleza e funcionalidade extremas.
Tudo isso foi trabalhado durante anos por dois grandes maestros: William Furtwangler e Herbert von Karajan. O primeiro, com sua sensibilidade impressionante, romântica por excelência. O segundo, com sua precisão e exigência quase irritantes, mas nunca perdendo a grande musicalidade. Aliás, Karajan foi mestre em colocar toda sua extraordinária técnica a serviço da sensibilidade.
Essas duas qualidades foram um pouco esquecidas durante a gestão de Cláudio Abbado à frente da filarmônica. Parece que os músicos de hoje estão mais afeitos a técnicas do que a sentimentos, não procurando o equilíbrio entre eles.
Dizem até as más-línguas que Abbado decora as partituras pelo fone de ouvido, não por elas mesmo: ele passearia horas pela casa ouvindo gravações em vez de consultar partituras. Descontados os exageros, sente-se, contudo, em suas gravações, que não há muito de novo em suas interpretações e que a Orquestra Filarmônica de Berlim não é mais a mesma desde que passou para suas mãos.
Com o jovem (44 anos) Simon Rattle, ocorre o inverso. Ele praticamente fez o som da Orquestra Sinfônica da Cidade de Birminghan. Tem uma sensibilidade à flor da pele e uma excelente técnica. É portanto, a meu ver, o maestro com características para devolver à filarmônica o seu som característico. Contra ele tem apenas o seu repertório, mais afeito à música moderna. Todos sabem que a filarmônica tem um gosto mais conservador, mais tradicional, embora de vez em quando faça incursões pela música contemporânea.
Há que respeitar, portanto, a escolha de Rattle para assumir a direção da orquestra. Creio que, se não fosse seu forte temperamento e limitações de repertório, o escolhido seria Carlos Kleiber, um regente de primeiríssima linha.
Mas aí a filarmônica correria o risco de ver canceladas algumas de suas apresentações pelo temperamental maestro, talvez o melhor de nossos dias. Mas acho, sinceramente, que a escolha foi feliz.


Diogo Pacheco, 73, é maestro.


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