São Paulo, quarta-feira, 25 de julho de 2001 |
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Espécie em extinção
Representantes de grandes gravadoras reclamam de pirataria e impunidade e afirmam que, sem ajuda, música e mercado fonográfico nacionais acabarão Folha - Procede o boato que corre
na indústria de que a pirataria já
toma 70% do mercado nacional? Folha - Por que vocês perderam o
mercado de fitas cassete? Folha - Vai acontecer com o CD? Maynard - É a tendência natural. Gonçalves - Se não houver uma
política para impedir... Folha - Vocês são representantes
de uma espécie em extinção? Aloysio Reis - Não necessariamente. Mas, se nada for feito, se
não houver uma vontade política
de acabar com a pirataria, sim,
você está falando com membros
de uma espécie em extinção. Folha - Há um descontrole policial ou o controle nunca existiu? Maynard - Antes, quando a tecnologia não era tão avançada, se
você bloqueasse portos aéreos e
marítimos de entrada, tecnicamente estava bloqueando a pirataria. Era muito mais fácil. Hoje, a
maioria já é feita localmente. Niemeyer - O Brasil tem problemas tão sérios e grandes que a coisa da pirataria acaba entrando lá
atrás na fila das prioridades. O
importante nem são as gravadoras. A música brasileira vai para o
saco. Quem vai descobrir novos
talentos? Estamos nesse negócio
para ganhar dinheiro, sim. Quando parar de dar dinheiro, acabou. Folha - Desde o estouro do sertanejo e do axé vocês não colocaram
qualidade lá atrás na fila das prioridades, não sonegaram o papel
educativo que tinham antes? Reis - O mercado está diminuindo de maneira absurda. O problema da pirataria é objetivo: fecha
portas para novos criadores. Todas as gravadoras têm produtos
de alta, média e baixa qualidade. É
como supermercado, que não pode vender só sabão em pó, ou não
sobrevive. Folha - Num governo que é em
certa medida internacionalista não
se pode pensar que o descaso possa
ser intencional? Reis - Um supermercado vende
uma porção de coisas. Se nesse
supermercado não dá para ter
mais música brasileira, não dá.
Sabe o que acontece com o apagão? Descobriram que acabou a
energia e a qualquer hora vão descobrir que acabou a MPB. O que a
gente quer é avisar que isso aí é
verdade, que não é alarmismo.
Estamos mandando artista embora, deixando de contratar artista. Quando acabar, "ih, acabou",
não vai dar para consertar. Maynard - O mundo teve várias
eras românticas, esta de agora não
é. Nos anos 60 e 70 as multinacionais ganhavam tanto dinheiro lá
fora que podiam perder aqui. Jogaram dinheiro fora. Aí acabou a
era bonita, fecharam a torneira. A
crise foi mundial, vai fazer o quê?
Tem que dar conta do óbvio. Folha - Por que essa era romântica, de prejuízo, rendeu o elenco
que vocês usaram recentemente
com a boca tampada para fazer
propaganda antipirataria? Gonçalves - Alertou um pouco as
autoridades. Era direcionada a
elas, para mostrar que o problema
é sério. Se deu bom resultado?
Não deu, porque a pirataria continuou crescendo, e o governo não
tomou as medidas que precisa tomar. Tomou, sim, a iniciativa de
criar um Comitê Interministerial
de Combate à Pirataria. Reis - O problema é de lei. Aqui
não há condenação social, se confunde a figura do pirata com o camelô pobrinho. Os piratas são poderosos, milionários. Aquilo ali é
a ponta do iceberg na rua, vendendo CD pirata. Por baixo há
uma estrutura de crime. Maynard - Temos que lutar pela
sobrevivência da música popular
brasileira. Já que o governo se esqueceu do apagão, a sociedade
brasileira está lutando por ela. Já
que o governo não nos ajuda com
isso, pedimos essa ajuda. Folha - Vocês não oferecem música de muito baixa qualidade em
troca desse pedido de ajuda? Folha - Não depende mais, se o
próprio mercado caiu 50% e ninguém mais compra disco. Maynard - Nunca mais viveremos a bossa nova nem a jovem
guarda. Não há jeito de viver de
novo. Temos que entender que o
mundo vai para a frente. As músicas podem se tornar mais simples
numa época e mais complicadas
em outra, vai depender muito do
que o público queira. Folha - O comitê já fez algo? Folha - O que define o preço médio de um CD, de R$ 25? Folha - Quanto se gastou para fazer um CD vendido por R$ 14? Reis - [Interrompe" Posso fazer
um custo médio, arredondando?
De R$ 14 foram R$ 12,50. Folha - E tem que pagar o jabá? Maynard - É promoção. Jabá
acabou, não existe mais para nós. Folha - Esse problema não preocupa então? Folha - De todos os problemas
discutidos, vocês nunca assumem
para vocês as responsabilidades. É
possível algum nível de autocrítica
nessa discussão? Reis - Teremos que falar em administração, sobretudo. Autocrítica minha? Faço discos ruins?
Posso fazer. Faço produtos comerciais? Posso fazer. E aí? Folha - O problema da pirataria
não é também a ponta de um iceberg que é a própria indústria? |
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