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Réplica
Reflexões de Coutinho sobre a Espanha são superficiais e inexatas
RICARDO PEIDRÓ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Sou assíduo leitor da Folha e destaco especialmente a imparcialidade
de suas análises e o interesse
que mostra pelos temas espanhóis, cujo último episódio seria o artigo do dia 16 "Os Anões
e os Netos", escrito por Clóvis
Rossi (pág. A2)
Leio, porém, com perplexidade o artigo de João Pereira
Coutinho, intitulado "O Sangue
de Espanha" (Ilustrada, dia
19/7, pág. E2)
Desejo fazer algumas considerações sobre as reflexões do
sr. Pereira Coutinho, que mistura a inexatidão com a superficialidade sobre um tema que
custou 1 milhão de mortos,
destruiu um país e iniciou uma
sangrenta e longa ditadura.
Lamento, por outro lado, o
calor que sofreu o sr. Pereira
Coutinho, que deve ter afetado
o seu bom senso; de fato, não
foi Carlos 5º, senão Felipe 2º,
quem primeiro transferiu a
corte para Madri.
O que ele denomina uma Catalunha semi-independente é,
na realidade, um processo
constitucional validado por um
recente referendum que maioritariamente aprovou a proposta das forças políticas catalãs para atualizar o Estatuto
(Constituição Estadual) de
1978. Tanto o processo catalão
quanto o do País Basco são fruto primordial da repressão que
o regime franquista exerceu sobre estes dois componentes essenciais da Espanha plural.
O processo do País Basco é
mais complexo, pois veio
acompanhado de uma sucessão
de sangrentos atos terroristas,
recentemente interrompidos,
o que permitiu dar início a um
corajoso compromisso de negociação política, iniciado pelo
atual governo, justamente com
base no anúncio do fim do terrorismo.
Voltando à Guerra Civil, cujo
início completou 70 anos, a
versão do sr. Pereira Coutinho,
que ele pretende inovadora
através de uma certa historiografia -sobretudo de Anthony
Beevor-, obedece ao próprio
paradigma do franquismo, que,
na sua propaganda, apresentava o conflito civil ao qual deu
origem e venceu não como o
que foi (a ante-sala da Segunda
Guerra Mundial), senão como
o primeiro passo da Guerra
Fria.
Qualquer que fosse o pretexto para o levante militar, o certo é que o governo legítimo da
República tinha o apoio do sistema constitucional de então,
que as forças da reação, encabeçadas por um setor de militares, conseguiram desmontar.
O certo é que isso aconteceu
ante a indiferença das potências ocidentais, que, através de
uma política de não-intervenção, de fato permitia o apoio
maciço em meios e pessoas dos
regimes fascistas à insurgência
franquista. O "appeasement"
que culminaria em Munique
somente serviu para incrementar o apetite fascista.
Tão somente a União Soviética e, em menor medida, o México estiveram com o regime
legítimo da República, embora
boa parte da opinião pública
democrática, incluída a do Brasil, estivesse a favor do governo
constitucional.
Na realidade, o sr. Pereira
Coutinho simplificou os dados
das eleições legais que tiveram
lugar na Espanha de 1936, cujo
resultado foi: esquerda: 4,7 milhões de votos; direita: 3,997
milhões de votos; centro: 449
mil votos e nacionalistas bascos: 139 mil votos. Como a lei
eleitoral favorecia coalizões,
produziu-se de fato uma sólida
maioria das cadeiras da Frente
Popular.
É francamente inaceitável
especular sobre o que teria sido
a República Espanhola caso tivesse ganhado a guerra e afirmar que a Espanha teria se
convertido na Romênia de
Ceaucescu.
A Espanha e o Brasil compartilham transições democráticas, e é amplamente conhecido o impacto da transição espanhola na brasileira.
Não obstante, no caso espanhol, a maturidade democrática permite hoje reexaminar o
passado, que por consenso dos
atores políticos foi relegado no
momento em que se produziu a
dita transição.
São os netos da Guerra Civil
as pessoas que com maior interesse acompanham a análise
do que aconteceu naquela época. Com isso, consolida-se ainda mais a coexistência pacífica
do povo espanhol, com a certeza de que não há tabus na democracia.
RICARDO PEIDRÓ é embaixador da Espanha no
Brasil
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