São Paulo, sábado, 25 de julho de 2009

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LIVROS

Crítica/"Olhos Secos"

Memória move livro de Ajzenberg

Ao falar de sua geração, livro do escritor, que foi ombudsman da Folha, auxilia na construção de identidade brasileira

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

Escritor e jornalista, o paulista Bernardo Ajzenberg tem feito uma bela carreira em ambas as áreas, ficção e jornalismo. Trabalhou na revista "Veja" e nos jornais "Última Hora", "Gazeta Mercantil" e Folha, onde foi secretário de Redação e ombudsman. Paralelamente, publicou contos em revistas e coletâneas, os romances "Carreiras Cortadas" (1989), "Efeito Suspensório" (1993), "Goldstein & Camargo" (1994), "Variações Goldman" (1998), "A Gaiola de Faraday" (2002, prêmio de ficção da Academia Brasileira de Letras) e o livro de contos "Homens com Mulheres" (2005, finalista do Prêmio Jabuti) -os três últimos saíram pela Rocco. Ao completar 50 anos, Bernardo Ajzenberg dá-nos o seu sexto romance, "Olhos Secos". Uma obra que se lê, antes de mais nada, com interesse. Ajzenberg sabe usar a experiência jornalística na ficção: o resultado é uma prosa fluente, objetiva. São duas narrativas paralelas, uma na primeira pessoa, outra na terceira. A primeira é um diário de viagem: acompanhamos o jovem Leon Zaguer, primeiro em Israel, onde, como muitos jovens de sua geração, ele foi fazer um estágio num kibutz, colônia socialista, e, depois, no clássico périplo mochila-às-costas pela Europa. Na segunda narrativa, Zaguer, adulto, casado e pai de uma filha, trabalhando num cartório, está às voltas com um sério problema: alguém quer que ele oficialize, mediante documentação, uma falcatrua.

Figura do pai
Ao longo da história, Zaguer evoca seu passado, sobretudo a figura do pai, Adolpho Zaguer, o protótipo do judeu comunista, homem autoritário que acusa o filho de fraqueza (o discurso que faz para Leon no hospital parece a "Carta ao Pai", de Kafka, ao contrário) e o amigo Moti, que também funciona como uma figura paterna e que classifica Leon como "quarentão trabalhador, honesto e grande cagão". A narrativa é pontilhada de diálogos com várias pessoas, diálogos esses que contribuem para situar o personagem numa realidade que, até certo ponto, é paradigmática quanto ao judaísmo brasileiro e quanto à geração que agora chega à maturidade. Mas a questão da memória desempenha aí um papel fundamental: "A memória nunca nos abandona, eis o problema", suspira o personagem. "Olhos Secos" é o romance da memória. Pode ser também classificado como um romance de trajetória. O título define o problema do personagem: olhos secos são olhos que não se umedecem pelas lágrimas da emoção. O Leon adulto não é capaz de assumir suas emoções e não é capaz de virar a mesa, pelo menos até o -até certo ponto inesperado- final. Nesse sentido, as duas linhas narrativas evidenciam as contradições do personagem: o jovem aventureiro, que fez de uma viagem pelo exterior um momento de descobertas, é substituído por um adulto convencional, paralisado por suas indecisões. O livro aparece num momento importante. O Brasil está em busca de sua identidade, em busca de respostas para perguntas do tipo: quem somos nós? Ao narrar uma história que certamente fala muito de sua geração e de seu background cultural, Ajzenberg dá uma bela contribuição para esse debate e confirma a sua posição de destaque entre os novos ficcionistas brasileiros.


OLHOS SECOS

Autor: Bernardo Ajzenberg
Editora: Rocco
Quanto: R$ 28 (184 págs.)
Avaliação: bom


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