São Paulo, sábado, 25 de julho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RODAPÉ LITERÁRIO

Paris não era uma festa


Em "A Rive Gauche", Lottman reconstitui ambiguidades da cena intelectual francesa durante a Segunda Guerra


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

NUM CÉLEBRE retrato tirado pelo fotógrafo húngaro Brassaï no estúdio de Picasso, na Paris de 1944, aparecem perfilados os escritores Pierre Reverdy, Jean-Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Albert Camus, o etnólogo Michel Leiris e o psicanalista Jacques Lacan, entre outras personagens. A imagem é uma tradução visual do ambiente descrito pelo jornalista americano Herbert R. Lottman em "A Rive Gauche - Escritores, Artistas e Políticos em Paris 1934-1953", que acaba de ganhar uma bela reedição. Biógrafo de Flaubert e Camus, Lottman fez a crônica de um dos períodos mais efervescentes -e ambíguos- da história francesa. A "rive gauche" (margem esquerda) do rio Sena é onde se situam instituições como a Escola Normal Superior, as editoras Gallimard e Grasset e, sobretudo, cafés como Deux Magots, Glore e Brasserie Lipp.
Seria impossível redigir a história da intelectualidade francesa do século 20, desde o surrealismo até o existencialismo, sem fazer menção a essa "petite histoire", ao relato microscópico dos encontros entre camaradas que discutiam calorosamente em bares e bistrôs para, depois, escreverem livros e panfletos com posições radicalmente opostas.
De André Gide a Merleau-Ponty, os maiores escritores do período aparecem no livro. Mas, como o foco de Lottman é o clima ideológico de Paris antes e depois da ocupação nazista (momento que cristaliza tomadas de posição concretas), os protagonistas do livro acabam sendo autores menos reverenciados.
Alguns são heróis discretos, como o grande crítico Jean Paulhan, diretor de "La Nouvelle Revue Française" (NRF), epicentro da produção literária parisiense. Outros são colaboracionistas como Robert Brasillach, agitador da revista de extrema-direita "Je Suis Partout", e Pierre Drieu la Rochelle -autor de "Fogo Fátuo", cuja reputação à época chegou à cosmopolita revista argentina "Sur", porém sucumbiu à vulgaridade nazista, suicidando-se no pós-guerra antes de ir a julgamento. Editores como Bernard Grasset e Robert Denoël ostentavam a aprovação de suas atividades pelas tropas de ocupação (Denoël chegou a publicar um manual com singelo título "Como reconhecer um judeu?") -em contraste com a atuação do tenente alemão Gerhard Heller, que assumiu a direção da "NRF" com Drieu, arriscou a pele protegendo membros da Resistência e, segundo Lottman, chorou horrorizado quando Brasillach defendeu o envio de crianças judias para os campos de concentração...
Enfim, no livro de Lottman (e ao contrário do que queria Hemingway), Paris não era uma festa.


A RIVE GAUCHE

Autor: Herbert R. Lottman
Tradução: Isaac Piltcher
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 59 (532 págs.)
Avaliação: ótimo




Texto Anterior: Livros: Martínez põe lente em vidas no limbo
Próximo Texto: Chico Anysio faz dupla jornada no horário nobre
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.