São Paulo, domingo, 25 de julho de 2010

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"Queriam me enquadrar no passado"

Fase experimental de Wanderléa não agradou ao público da jovem guarda e a condenou ao limbo fonográfico

Por se recusar a regravar seus sucessos dos anos 1960, cantora ficou 16 anos sem lançar comercialmente

DE SÃO PAULO

Foi em 1971, voltando de uma visita a Caetano Veloso e Gilberto Gil em exílio londrino, que Wanderléa entendeu que Ternurinha deveria morrer para que ela pudesse seguir adiante na música.
A cantora havia trazido na bagagem um frevo inédito de Caetano, "Chuva, Suor e Cerveja", e estava decidida a gravá-lo imediatamente. Era algo completamente diferente do que estava acostumada.
Quando apresentou a ideia à gravadora, a mesma CBS que lançara todos os seus trabalhos até ali, a reação não foi nada favorável.
"As pessoas queriam me enquadrar no passado", lembra. "Pela regra deles, eu teria que ser o clone de mim mesma, o cover de alguém que eu já não era mais."
O jeito era romper de vez com o passado -a começar pela gravadora.
Com produção de Nelson Motta e arranjo de César Camargo Mariano, o compacto de "Chuva, Suor e Cerveja" foi a estreia de Wanderléa na Polydor, selo popular da Philips. Trazia "Pula Pula (Salto de Sapato)", de Jards Macalé e Capinam, no lado B.
O passo seguinte foi ainda mais radical. "Wanderléa... Maravilhosa" (1972), o primeiro LP da nova fase, apresentava na capa uma cantora completamente diferente da "musa da jovem guarda", vestindo uma impactante peruca black power. Loura.
O show estreou no teatro Teresa Raquel, no Rio -o mesmo que abrigara, dois anos antes, o emblemático "Fa-Tal", de Gal Costa.
Wanderléa entrava em cena com cabelo desgrenhado, cantando "Vida Maneira", de Hyldon: "Quero ter uma vida maneira, mas não levo jeito de prisioneira (...) Que bom que você descobrisse que tudo evoluiu". Recado dado.
"A garotada do Píer, que fumava muito, ia me ver e achava que eu também estava muito doida", lembra. "Foi um sucesso entre esse público, mas o pessoal da jovem guarda não me seguiu."
Os discos seguintes foram saindo sem nenhuma aposta das gravadoras. O primeiro foi "Feito Gente" (1975), cuja canção-título era criação do "maldito" Walter Franco.
Vieram, na sequência, "Vamos que Eu Já Vou" e "Mais que a Paixão" -ambos produzidos sob a presença determinante do virtuoso Egberto Gismonti, então marido de Wanderléa.

EXCLUSÃO
Tanto experimentalismo logo cobraria seu preço. O grande público, assustado, foi ficando cada vez mais raro nos anos seguintes.
A partir dos anos 80, os discos de Wanderléa foram rareando. As gravadoras não queriam dela nenhum trabalho que não remetesse à jovem guarda, à Ternurinha.
Avessa à ideia de refazer o que já estava feito, Wanderléa entrou em autoexílio. Ficou sem gravar comercialmente por 16 anos.
"Minha autoestima estava no pé. Fui morar no mato, virei bicho-grilo", diz. "Sobrevivi porque construímos um estúdio no quintal e passávamos, eu e meu marido [Lalo Califórnia], compondo e gravando músicas pra nós mesmos. Foi minha terapia."
O CD "Nova Estação" (2008), tanto quanto seu respectivo DVD ao vivo, a ser lançado agora em agosto, é fruto desse processo doloroso de afirmação e negação.
"A Ternurinha teve seu tempo de ser maravilhosa, revolucionária. Minha personalidade aflorou por causa dela", diz. "Mas agora só penso nas músicas que ainda tenho pra conhecer."
Está pedindo repertório inédito, de compositores iniciantes e de seus velhos amigos de todos os tempos, para incluir no próximo trabalho. Algumas delas, diz, já estão na caixa de entrada de seu e-mail. (MARCUS PRETO)


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