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"Queriam me enquadrar no passado"
Fase experimental de Wanderléa não agradou ao público da jovem guarda e a condenou ao limbo fonográfico
Por se recusar a regravar seus sucessos dos anos 1960, cantora ficou 16 anos sem lançar comercialmente
DE SÃO PAULO
Foi em 1971, voltando de
uma visita a Caetano Veloso
e Gilberto Gil em exílio londrino, que Wanderléa entendeu que Ternurinha deveria
morrer para que ela pudesse
seguir adiante na música.
A cantora havia trazido na
bagagem um frevo inédito de
Caetano, "Chuva, Suor e Cerveja", e estava decidida a
gravá-lo imediatamente. Era
algo completamente diferente do que estava acostumada.
Quando apresentou a
ideia à gravadora, a mesma
CBS que lançara todos os
seus trabalhos até ali, a reação não foi nada favorável.
"As pessoas queriam me
enquadrar no passado", lembra. "Pela regra deles, eu teria que ser o clone de mim
mesma, o cover de alguém
que eu já não era mais."
O jeito era romper de vez
com o passado -a começar
pela gravadora.
Com produção de Nelson
Motta e arranjo de César Camargo Mariano, o compacto
de "Chuva, Suor e Cerveja"
foi a estreia de Wanderléa na
Polydor, selo popular da Philips. Trazia "Pula Pula (Salto
de Sapato)", de Jards Macalé
e Capinam, no lado B.
O passo seguinte foi ainda
mais radical. "Wanderléa...
Maravilhosa" (1972), o primeiro LP da nova fase, apresentava na capa uma cantora
completamente diferente da
"musa da jovem guarda",
vestindo uma impactante peruca black power. Loura.
O show estreou no teatro
Teresa Raquel, no Rio -o
mesmo que abrigara, dois
anos antes, o emblemático
"Fa-Tal", de Gal Costa.
Wanderléa entrava em cena com cabelo desgrenhado,
cantando "Vida Maneira", de
Hyldon: "Quero ter uma vida
maneira, mas não levo jeito
de prisioneira (...) Que bom
que você descobrisse que tudo evoluiu". Recado dado.
"A garotada do Píer, que
fumava muito, ia me ver e
achava que eu também estava muito doida", lembra.
"Foi um sucesso entre esse
público, mas o pessoal da jovem guarda não me seguiu."
Os discos seguintes foram
saindo sem nenhuma aposta
das gravadoras. O primeiro
foi "Feito Gente" (1975), cuja
canção-título era criação do
"maldito" Walter Franco.
Vieram, na sequência,
"Vamos que Eu Já Vou" e
"Mais que a Paixão" -ambos
produzidos sob a presença
determinante do virtuoso Egberto Gismonti, então marido de Wanderléa.
EXCLUSÃO
Tanto experimentalismo
logo cobraria seu preço. O
grande público, assustado,
foi ficando cada vez mais raro nos anos seguintes.
A partir dos anos 80, os
discos de Wanderléa foram
rareando. As gravadoras não
queriam dela nenhum trabalho que não remetesse à jovem guarda, à Ternurinha.
Avessa à ideia de refazer o
que já estava feito, Wanderléa entrou em autoexílio. Ficou sem gravar comercialmente por 16 anos.
"Minha autoestima estava
no pé. Fui morar no mato, virei bicho-grilo", diz. "Sobrevivi porque construímos um
estúdio no quintal e passávamos, eu e meu marido [Lalo
Califórnia], compondo e gravando músicas pra nós mesmos. Foi minha terapia."
O CD "Nova Estação"
(2008), tanto quanto seu respectivo DVD ao vivo, a ser
lançado agora em agosto, é
fruto desse processo doloroso de afirmação e negação.
"A Ternurinha teve seu
tempo de ser maravilhosa,
revolucionária. Minha personalidade aflorou por causa
dela", diz. "Mas agora só
penso nas músicas que ainda
tenho pra conhecer."
Está pedindo repertório
inédito, de compositores iniciantes e de seus velhos amigos de todos os tempos, para
incluir no próximo trabalho.
Algumas delas, diz, já estão
na caixa de entrada de seu e-mail.
(MARCUS PRETO)
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