São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 2000


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Filme de Ana Carolina traz Marília Pêra e Béatrice Agenin, da Comédie Française
França e Brasil matuto se enfrentam em "Amélia"

Divulgação
Em primeiro plano, a partir da esq., as atrizes Alice Borges, Miriam Muniz e Camila Amado; ao fundo, Duda Mamberti e Betty Gofman, em cena do filme "Amélia"



Cineasta cria ficção sem tom biográfico em torno da visita da atriz francesa Sarah Bernhardt ao país, em 1905


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

A diretora paulista Ana Carolina, 50, avisa que não há nenhuma referência biográfica sobre a atriz francesa Sarah Bernhardt (1845-1923) em "Amélia - La Comédie de la Différence", que estréia hoje em São Paulo e no Rio. Esqueça o mito, portanto.
"Não há nada de Sarah, não li nada sobre ela. Se eu fizesse uma biografia, seria um filme brasileiro sobre a França. Ao contrário, trata-se de um filme brasileiro sobre três mulheres brasileiras que, por acaso, encontraram uma francesa que pouco significa para elas", afirma.
O roteiro de Ana é inspirado na turnê que a diva fez ao Brasil em 1905. No ato final da ópera "Tosca", de Puccini, apresentada no Teatro Lírico do Rio, ela caiu de uma altura de três metros. As almofadas, que deveriam protegê-la da queda, nos fundos do palco, foram retiradas. A atriz fraturou uma perna e, dez anos depois, teve de amputá-la. "Esse trágico episódio surge como uma das metáforas da diferença que sustentam o enredo", diz a cineasta. "A questão da diferença é a piada e a tragédia do filme."
No interior de Minas Gerais, Francisca (Miriam Muniz) e Oswalda (Camila Amado) lêem a carta da irmã Amélia (Marília Pêra, em participação especial), que vive há anos na França, trabalhando como camareira de Sarah (Béatrice Agenin, atriz convidada da Comédie Française). Esta comunica que virá ao Rio por conta da turnê da patroa.
Na carta, Amélia propõe a venda definitiva das terras da família, em Minas, e convida as irmãs a trabalhar como costureiras na curta temporada da diva. Pobres e sem perspectiva na vida, Francisca e Oswalda decidem ir ao Rio acompanhadas da jovem agregada Maria Luiza (Alice Borges).
Levam prendas exóticas para a irmã (um porquinho, por exemplo), que estaria hospedada em um hotel. Mas são comunicadas, a duras penas (primeiro em francês, do qual obviamente entendem lhufas) da morte de Amélia. A partir daí, o filme joga luz sobre o vão que separa a alta cultura francesa do Brasil interiorano, pobre e explorado.
"É a metáfora do abandonado, daquele que é esquecido, está preso à diferença porque tem menos e não porque é diferente. As mulheres perdem tudo, a independência, as raízes culturais, as terras", diz Ana Carolina.
Neste sentido, o roteiro comete uma pequena vingança "contra o imperialismo da madame". No filme, quem tira as almofadas na hora da queda de Sarah Bernhardt são as próprias costureiras, cansadas da exploração.
Outra forma de resistência, de acordo com a cineasta, é a declamação de "I-Juca-Pirama", o poema clássico do maranhense Gonçalves Dias (1823-1864), numa apresentação inusitada ao final da história, em que contracenam Sarah e as subalternas.
"O poema surge para demolir a pompa de Sarah. Era o único instrumental que as mulheres mineiras tinham para concorrer com a erudição. Elas aprenderam o "I-Juca-Pirama" no primário. Ele funciona aqui como um impacto de identificação nacional", diz.
"Amélia" quer mostrar ainda a predisposição do dominado em se adaptar às condições impostas, "jogo de cintura" que falta aos dominadores. É emblemática a persistência com que Sarah, tão alheia quanto, divaga em sua crise existencial "conversando" em francês com as interlocutoras, que, desesperadas, tentam se expressar por meio de gestos.
Como é praxe em seu trabalho, Ana Carolina ensaiou as sequências cinco semanas antes das gravações, realizadas no Rio e em Pernambuco. "Primeiro marco os atores e só depois marcamos a luz, o som, o foco etc. Senão o ator fica "ossificado", encurralado na câmera, e o texto fica ruim", diz.
Um exemplo do empenho da cineasta na direção de ator é a presença de Miriam Muniz. Trata-se do terceiro filme da atriz com Ana Carolina -ela atuou também em "Mar de Rosas" (77) e "Das Tripas Coração" (82).
Como boa parte do elenco, Miriam tem formação teatral, item crucial para a cineasta. "A Miriam é uma força bruta da natureza."
"Amélia" marca a ruptura da cineasta com a densidade psicológica da sua trilogia, encerrada com "Sonho de Valsa" (88). "Cansei de psicanálise", diz. "Claro, se se quiser levar por esse lado, "Amélia" tem lá uma esquizofrenia intrínseca, mas não é um filme eminentemente psicológico."
Há 12 anos sem lançar um filme, a cineasta atribui o hiato aos mecanismos que emperram as leis de incentivo. Tinha o roteiro de "Amélia" pronto em 89. "Mesmo assim, como todas as fichas que caem na vida, acho que o filme chega no momento certo."
Amélia


Amélia Direção: Ana Carolina Produção: Brasil, 2000 Com: Béatrice Agenin, Marília Pêra, Míriam Muniz Quando: a partir de hoje no Jardim Sul 7 e Espaço Unibanco 2



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