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Chauí defende veia conflituosa da democracia
Em palestra inspirada nos conceitos do holandês Espinosa, professora da USP ignorou conjuntura brasileira atual, eleições e Lula
DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO
A filósofa Marilena Chauí defendeu anteontem, no Rio, durante sua participação no ciclo
de debates "O Esquecimento
da Política", que democracia,
mais que respeito às leis estabelecidas, é conflito.
"A democracia é a sociedade
aberta ao tempo, ao possível, ao
novo. Não está fixada numa
forma para sempre determinada", disse Chauí durante sua
palestra. "Podemos afirmar
que a democracia é a única forma da política que considera o
conflito legítimo."
O argumento que o filósofo
Baruch de Espinosa (1632-1677) usou para afirmar a superioridade da democracia sobre
qualquer outro regime se contrapunha à definição liberal da
experiência democrática. Para
os liberais, disse Chauí, a democracia "é o regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais", o que redundaria na tentativa de conter
os conflitos sociais.
Para Espinosa, afirmou
Chauí, só a democracia permite
aos indivíduos a afirmação de
suas virtudes, sem medo.
A filósofa contrapôs o medo à
esperança, segundo ela as paixões que são os pilares da análise política do filósofo holandês,
além de comporem a frase criada por Duda Mendonça após a
vitória de Lula em 2002: "a esperança venceu o medo".
Segundo Espinosa, disse
Chauí, a boa política se dá
quando a esperança ("uma alegria inconstante nascida da
idéia de uma coisa futura ou
passada") vence o medo ("uma
tristeza inconstante nascida da
idéia de uma coisa futura ou
passada") e permite que a concórdia supere a discórdia entre
os homens.
Mas não se trata de qualquer
concórdia, continuou. Há que
ser uma concórdia democrática, ou seja, um regime em que
os cidadãos não estejam submetidos a nenhum poder tirânico. "A paz não é a simples ausência de guerra. Uma cidade
na qual a paz depende da inércia dos súditos deve mais corretamente ser chamada de solidão que de cidade", disse ela.
Daí a possibilidade, para a filósofa, de unir a idéia de concórdia com a possibilidade de
conflito, própria à democracia.
Na democracia, as eleições significam que o poder não pertence definitivamente a ninguém, e a coexistência de situação e oposição num Parlamento ou Congresso mostra que "a
sociedade está dividida e que as
divisões são legítimas".
Para defender a noção de que
a democracia é a realização da
boa política, Chauí -recorrendo novamente a Espinosa-
disse que "o poder de um só" é
contrário à esperança e favorece o medo.
"Em vez de segurança (que,
para Espinosa, seria a alegria da
esperança sem ameaça do medo), o poder de um só reintroduz a contingência num nível
mais profundo, porque tudo
parece depender da vontade
caprichosa de um só. Isso produz, sem cessar, a insegurança
e a instabilidade", ela disse.
Durante a palestra, a professora de filosofia da USP não fez
nenhum comentário sobre a
conjuntura brasileira atual,
eleições, Lula ou o PT. Ao final,
não falou com a imprensa.
(RAFAEL CARIELLO)
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