São Paulo, sexta-feira, 25 de agosto de 2006

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Chauí defende veia conflituosa da democracia

Em palestra inspirada nos conceitos do holandês Espinosa, professora da USP ignorou conjuntura brasileira atual, eleições e Lula

DO ENVIADO ESPECIAL AO RIO

A filósofa Marilena Chauí defendeu anteontem, no Rio, durante sua participação no ciclo de debates "O Esquecimento da Política", que democracia, mais que respeito às leis estabelecidas, é conflito.
"A democracia é a sociedade aberta ao tempo, ao possível, ao novo. Não está fixada numa forma para sempre determinada", disse Chauí durante sua palestra. "Podemos afirmar que a democracia é a única forma da política que considera o conflito legítimo."
O argumento que o filósofo Baruch de Espinosa (1632-1677) usou para afirmar a superioridade da democracia sobre qualquer outro regime se contrapunha à definição liberal da experiência democrática. Para os liberais, disse Chauí, a democracia "é o regime da lei e da ordem para a garantia das liberdades individuais", o que redundaria na tentativa de conter os conflitos sociais.
Para Espinosa, afirmou Chauí, só a democracia permite aos indivíduos a afirmação de suas virtudes, sem medo.
A filósofa contrapôs o medo à esperança, segundo ela as paixões que são os pilares da análise política do filósofo holandês, além de comporem a frase criada por Duda Mendonça após a vitória de Lula em 2002: "a esperança venceu o medo".
Segundo Espinosa, disse Chauí, a boa política se dá quando a esperança ("uma alegria inconstante nascida da idéia de uma coisa futura ou passada") vence o medo ("uma tristeza inconstante nascida da idéia de uma coisa futura ou passada") e permite que a concórdia supere a discórdia entre os homens.
Mas não se trata de qualquer concórdia, continuou. Há que ser uma concórdia democrática, ou seja, um regime em que os cidadãos não estejam submetidos a nenhum poder tirânico. "A paz não é a simples ausência de guerra. Uma cidade na qual a paz depende da inércia dos súditos deve mais corretamente ser chamada de solidão que de cidade", disse ela.
Daí a possibilidade, para a filósofa, de unir a idéia de concórdia com a possibilidade de conflito, própria à democracia. Na democracia, as eleições significam que o poder não pertence definitivamente a ninguém, e a coexistência de situação e oposição num Parlamento ou Congresso mostra que "a sociedade está dividida e que as divisões são legítimas".
Para defender a noção de que a democracia é a realização da boa política, Chauí -recorrendo novamente a Espinosa- disse que "o poder de um só" é contrário à esperança e favorece o medo.
"Em vez de segurança (que, para Espinosa, seria a alegria da esperança sem ameaça do medo), o poder de um só reintroduz a contingência num nível mais profundo, porque tudo parece depender da vontade caprichosa de um só. Isso produz, sem cessar, a insegurança e a instabilidade", ela disse.
Durante a palestra, a professora de filosofia da USP não fez nenhum comentário sobre a conjuntura brasileira atual, eleições, Lula ou o PT. Ao final, não falou com a imprensa. (RAFAEL CARIELLO)

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