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ANTONIO CICERO
A busca do novo
Querem achar alguma idéia nova. Ora, não se pode ter idéia de uma idéia que não exista
O POETA Ezra Pound inventou
inúmeros slogans, máximas,
esquemas classificatórios
etc. O problema de tais gnomas e
traçados é que, retirados dos contextos -muitas vezes polêmicos- em
que foram enunciados, eles tendem
a esclerosar, tornando-se dogmas
que empobrecem as questões a que
se referem.
Assim foi, por exemplo, a classificação dos poetas em inventores,
mestres e diluidores. Com base nela,
Mário Faustino, por exemplo -que,
entretanto, em outras ocasiões,
mostrou-se um crítico perspicaz-,
foi capaz de declarar que Carlos
Drummond de Andrade era, "quando muito, um "master". Não é um "inventor" [...]. Nunca seria um Pound,
nem mesmo um Eliot".
A meu ver, vários equívocos se
manifestam nessas proposições, todos devidos à aplicação rígida das
classificações de Pound. Elas pressupõem, por exemplo, que Ezra
Pound seja indiscutivelmente melhor do que T.S. Eliot. Por quê? Porque Pound se aproximaria mais do
paradigma do inventor. Ora, 50 anos
depois de Faustino ter feito esse juízo, nada indica que o valor relativo
desses dois poetas venha algum dia a
ser um ponto pacífico. Eu mesmo, se
tivesse que escolher entre os dois, ficaria com Eliot.
Outra pressuposição inaceitável é
a de que Drummond jamais estaria à
altura de "um Pound" ou de "um
Eliot". Como pode Faustino pensar
isso? É que Drummond, segundo
ele, é um mestre, não um inventor.
Mas, para mim, é claro que Drummond era um inventor, um mestre e,
às vezes, até um diluidor: e que era
capaz de ser tudo isso num só poema. Que grande poema não é simultaneamente uma obra de mestria e
de invenção? Drummond foi um dos
maiores acontecimentos da poesia
do século 20 e, enquanto poeta, não
é em nada inferior a Pound ou a
Eliot ou a quem quer que seja.
Mas o culto ao inventor é freqüentemente associado ao slogan "make
it new", que pode literalmente ser
traduzido por "faça-o novo" e, menos literalmente, por "faça o novo".
A própria idéia da valorização da novidade não é nova; nem é nova a rejeição a essa idéia. Na Atenas clássica, Isócrates já dizia que o importante não é fazer o mais novo, mas o melhor. Mas hoje ouço ou leio freqüentemente jovens poetas, influenciados por essas idéias, falando em
"buscar o novo". Evidentemente, a
intenção deles não é, por exemplo,
achar alguma obra de arte que acabe
de ser feita (logo, que seja nova) e copiá-la. Não: o que querem é achar alguma idéia nova (no sentido de que
jamais tenha sido pensada). Ora, não
há como buscar uma idéia de que
não se tenha idéia nenhuma, e não
se pode ter idéia nenhuma de uma
idéia que não exista. Não há como
buscá-la: uma idéia nova aparece ou
não. Por isso, Picasso dizia, com razão: "Não busco, encontro".
No fundo, o problema está na descontextualização do slogan "make it
new". Recontextualizando-o, o poeta Haroldo de Campos o interpreta
como uma exortação a "remastigar a
herança cultural universal para "nutrir o impulso': renovar".
A injunção de Pound também deve ser entendida a partir da definição que ele próprio dá da literatura
como "news that stay news": novas
que permanecem novas; novidades
que permanecem novidades. O novo
que permanece novo não é simplesmente "o novo", mas aquilo que não
envelhece. "Um clássico é um clássico", afirma Pound, com toda razão,
"porque possui um certo eterno e irreprimível frescor".
Já os poetas líricos gregos pensavam desse modo. Os poetas épicos
haviam considerado as Musas -as
deusas que inspiram os poetas- como filhas da Memória. Supõe-se, às
vezes, que isso representasse o reconhecimento da importância da memória e da memorização para a poesia oral. Outra hipótese é que esse
mito refletisse o fato de que os poemas épicos preservavam a memória
de feitos originários da comunidade.
Os poetas líricos, porém, compreenderam que o que preservava a
memória dos feitos da comunidade
era a memorabilidade dos próprios
poemas que cantavam tais feitos.
Para eles, o feito mais memorável de
todos era, portanto, o próprio poema. A memória da Guerra de Tróia
era preservada, não tanto porque
fosse, ela mesma, memorável, mas
em virtude da memorabilidade do
poema que a cantava, a "Ilíada".
Nesse sentido, as Musas eram filhas da Memória porque representavam a fonte da qualidade (divina)
que tornava os poemas deles -mesmo quando não tratavam dos "grandes temas", mas apenas, por exemplo, dos seus amores- inesquecíveis, memoráveis, dotados de "eterno e irreprimível frescor".
NA INTERNET - http://antoniocicero.blogspot.com
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