São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2010

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"Eu sou um mito", afirma Cohn-Bendit

Líder do Maio de 68 diz ser refém daquela época e fala da necessidade de refletir sobre os "erros da revolução"

Hoje no Partido Verde, ativista alemão, que fez palestra em Porto Alegre, ataca política ambiental do Brasil


MARCOS FLAMÍNIO PERES
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

"Objetivamente, eu sou um mito, mesmo que tente me libertar dessa imagem." Eternizado na foto que o mostra, irônico, desafiando um policial durante os protestos de Maio de 68 em Paris, Daniel Cohn-Bendit é vítima de seu próprio sucesso.
Mas, aos 65 anos, o hoje deputado pelo Partido Verde no Parlamento Europeu rebate, em entrevista à Folha, a acusação de haver "se instalado no sistema".
Cohn-Bendit, que falou na segunda no ciclo Fronteiras do Pensamento, diz que é preciso fazer refletir sobre os "erros da revolução".
O alemão, que em 1983 viajou pelo Brasil e assistiu ao Corinthians, elogia a seleção alemã de futebol como multicultural, diz que a proibição das burcas na França é uma questão menor e ataca Mahmoud Ahmadinejad -"irracional e totalitário".
Cohn-Bendit, que se encontra hoje com a candidata Marina Silva (PV), critica Lula por não dar importância à questão ecológica.

Folha - Qual a diferença entre ser jovem hoje e nos anos 60?
Daniel Cohn-Bendit
- Hoje é muito mais difícil. Em 68, todas as utopias -as mais justas, as mais tolas- estavam à nossa disposição. Hoje, elas não querem dizer mais nada, e as crises -econômica e ecológica- são mais profundas, o que torna mais difícil para o jovem encontrar seu lugar.

Em 2008, a "Nouvel Observateur" o acusou de haver "se instalado" no sistema... Em 68, queria a transformação da sociedade por processo revolucionário, mas isso só é possível dentro das instituições democráticas.

Por que Maio de 68 parece ser uma herança maldita na França, criticada tanto à esquerda quanto à direita? Ele foi uma resposta à sociedade dos anos 60 e hoje enfrentamos outros problemas. Não é culpa de Maio de 68 se os jovens são indisciplinados ou se há distúrbios nas periferias das grandes cidades. Maio de 68 se tornou hoje um mito e todo mundo tenta instrumentalizá-lo.

O sr. se vê como um mito? Sim, em toda parte os jovens falam comigo a partir da imagem que têm de 68.

E como seu filho o trata? Bem, ele é malandro: "Mas em 68 você fazia o que queria. Por que agora não quer que eu faça tal coisa?"

Aprova a proibição da burca na França? Essa é uma questão inútil, que afeta pouquíssima gente. O que há, sim, é um problema com o integrismo islâmico, não com o islã em si.

O Reino Unido, com sua política multiculturalista, lida melhor do que a França com a questão da diferença? Lá é o lugar que mais produz terrorismo, o que prova que o comunitarismo não tornou a sociedade britânica mais unida ou pacificada.

Porque a esquerda parece ser hoje um fenômeno americano e não europeu? Na Europa, está ligado ao fracasso dos sociais-democratas em regular o capitalismo. Na América Latina, acho que tem a ver com os efeitos da ditadura. Mas Lula representa uma esquerda de 30 anos atrás, que defendia o produtivismo a todo custo. O Brasil pode pagar muito caro por isso, pois está fracassando em sua virada ecológica.

O jornalista MARCOS FLAMÍNIO PERES viajou a convite do ciclo Fronteiras do Pensamento.



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