Em dois discos, Rodolfo Caesar e Fernando Iazzetta evocam imagens com sons da natureza e de percussão

DISCO É UM MARCO DA MÚSICA CLÁSSICA BRASILEIRA E EXEMPLO DE COMO A MÚSICA ELETROACÚSTICA PURA PODE CARREGAR UM ALTO TEOR DE ESPECULAÇÃO FILOSÓFICA

SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

O filósofo Nietzsche escreveu que "o ouvido, esse órgão do medo, só alcançou tanta grandeza na noite e na penumbra". Para o filósofo, "na claridade do dia o ouvido é menos necessário".
A citação aparece mais de uma vez no texto "Círculos Ceifados" (7Letras, 2008), transformado em livro antes que a composição que o inspirou saísse em CD.
A obra de Rodolfo Caesar, carioca de 60 anos, agora pode ser encontrada em "Música Eletroacústica Brasileira", pacote com dois CDs lançado pelo Lami (Laboratório de Acústica Musical e Informática da USP).
O projeto traz CDs monográficos tanto com obras de Caesar quanto do paulista Fernando Iazzetta.

"CROP CIRCLES"
"Círculos Ceifados" (1997) evoca os "crop circles" -misteriosos desenhos em formas perfeitas encontrados em campos ingleses.
É o ponto culminante de uma série de composições iniciada por Caesar com "Volta Redonda" (1992) e que prosseguiu com "Revoluções Industriais" (1993) e "A Noite em Concha" (1994).
O disco que traz essas obras é um marco da música clássica brasileira e exemplo de como a música "acusmática" -eletroacústica pura- pode carregar um alto teor de especulação filosófica.
Caesar subverte incessantemente o binômio natureza-cultura. Sua obra dialoga com a arte conceitual sem abrir mão do rigor.

ANSIEDADE E ANGÚSTIA
Na primeira parte de "Círculos", sons noturnos de grilos e sapos entram em fase gradualmente e o intelecto reivindica o artifício como destino de sua vocação "natural". Associações imagéticas são pulverizadas pelos "acordes-braçadas" e, no limite, restam tão só ansiedade e angústia.
Por outro lado, Iazzetta -que também acaba de lançar o livro "Música e Mediação Tecnológica" (Perspectiva)- "fonografa" flashes do cotidiano e aceita a percussão como matriz. Destacam-se as obras mistas "Promenade" (1997), com participação do Duo Contexto de percussão, e "Tangerina" (2002), na qual os sons do clarinete de Luís Montanha são transformados por um aplicativo especialmente desenvolvido.
Mais do que a eletroacústica como "gênero", os CDs convidam a colocar em questão cada uma das obras. Afinal, sintetizados por máquinas, capturados do cotidiano, tocados por violinos ou emitidos por insetos, sons, como diz Caesar, são mesmo óvnis, objetos voadores não identificados.