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OPINIÃO
Ao fazer história nas boates, Alf esteve à distância quando se firmou a bossa nova
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando cantava "O Grande Amor", um dos sambas
mais delicados e menos lembrados de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Johnny Alf
fazia uma alteração na letra.
Em vez de "Haja o que houver/ Há sempre um homem/
Para uma mulher...", ele cantava: "Haja o que houver/ Há
sempre alguém/ Para quem
quiser...".
Johnny fazia isto o tempo
todo -tomar liberdades com
a harmonia, o ritmo e até com
uma letra alheia.
E não o fazia por profissão
de fé sexual (que ele mantinha à distância da música),
mas pelo seu jeito de conferir
um "imprimatur" pessoal a
tudo o que cantava. Ele era
sempre "bossa nova", mesmo que esta não se parecesse
com "a" bossa nova institucionalizada por João Gilberto, Tom e Vinicius.
E tomar liberdades com
uma canção de Jobim, seu
velho amigo e -sabia?- discípulo era normal.
Na cabeça dos dois, quando eles se encontravam, ainda deviam ecoar as noites
das boates de Copacabana, a
partir de 1952, quando Tom e
os meninos artisticamente
ambiciosos que, no futuro,
fariam a bossa nova iam ouvir aquele pianista e cantor
que estava dando um novo
recado na música popular.
Ponha aí Newton Mendonça, João Donato, Dolores Duran, Sylvia Telles, João Gilberto, Carlos Lyra, Ed Lincoln, Durval Ferreira e outros, entre seus primeiros admiradores.
E, como Alf foi o primeiro a
se firmar profissionalmente,
eles o viam como modelo.
O fato de logo ter se tornado "cult" -na boate Cantina
do Cesar, no Leme, antes
mesmo dos 23 anos- pode
ter determinado a forma com
que Alf conduziu a carreira.
Os donos da noite carioca,
vendo nele um chamariz em
potencial, viviam convidando-o para suas boates, e
Johnny não sabia dizer não.
Em três anos, passou por
pelo menos nove casas noturnas no Rio antes de ir fazer
história na boate Plaza, também no Leme.
Nesta, ele foi "descoberto"
pelo empresário paulistano
Heraldo Funaro, que o levou
para a Baiúca, na praça Roosevelt -e, em São Paulo, a
partir de 1955, Alf continuou
um azougue: passou por 12
boates em seis anos, várias
vezes em cada. Ele simplesmente não parava quieto.
Em consequência talvez
dessa mobilidade, Johnny ficou longe do processo musical quando este de fato começou a se definir, no Rio, na segunda metade dos anos 50.
Em todos os momentos importantes daquele período
-a parceria Jobim e Billy
Blanco com o samba "Teresa
da Praia", o encontro de Tom
e Vinicius para fazer "Orfeu
da Conceição", a chegada de
Aloysio de Oliveira para dirigir a gravadora Odeon, a volta de João Gilberto ao Rio trazendo uma nova batida de
violão e o trabalho do próprio
João na mesma boate Plaza
que já tinha sido o território
de Johnny-, enfim, enquanto tudo acontecia, ele estava
à distância, na estiva da noite
paulistana. (E as distâncias
na época eram maiores.)
Como teria sido a bossa
nova se Johnny estivesse fisicamente presente na fase final de sua gestação?
Em 1960, no show de bossa nova "A Noite do Amor, o
Sorriso e a Flor", no Rio, Ronaldo Bôscoli chamou Alf ao
palco e disse que ele "já era
bossa nova havia mais de dez
anos". Para muitos garotos
na plateia, aquilo foi uma novidade -e, quando ele atacou de "Rapaz de Bem", uma
revelação. As sementes já estavam lá. Mas Johnny não ficara para a colheita.
THIAGO NEY
O colunista está em férias.
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