São Paulo, quarta-feira, 25 de agosto de 2010

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OPINIÃO

Ao fazer história nas boates, Alf esteve à distância quando se firmou a bossa nova

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando cantava "O Grande Amor", um dos sambas mais delicados e menos lembrados de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, Johnny Alf fazia uma alteração na letra. Em vez de "Haja o que houver/ Há sempre um homem/ Para uma mulher...", ele cantava: "Haja o que houver/ Há sempre alguém/ Para quem quiser...".
Johnny fazia isto o tempo todo -tomar liberdades com a harmonia, o ritmo e até com uma letra alheia.
E não o fazia por profissão de fé sexual (que ele mantinha à distância da música), mas pelo seu jeito de conferir um "imprimatur" pessoal a tudo o que cantava. Ele era sempre "bossa nova", mesmo que esta não se parecesse com "a" bossa nova institucionalizada por João Gilberto, Tom e Vinicius.
E tomar liberdades com uma canção de Jobim, seu velho amigo e -sabia?- discípulo era normal.
Na cabeça dos dois, quando eles se encontravam, ainda deviam ecoar as noites das boates de Copacabana, a partir de 1952, quando Tom e os meninos artisticamente ambiciosos que, no futuro, fariam a bossa nova iam ouvir aquele pianista e cantor que estava dando um novo recado na música popular.
Ponha aí Newton Mendonça, João Donato, Dolores Duran, Sylvia Telles, João Gilberto, Carlos Lyra, Ed Lincoln, Durval Ferreira e outros, entre seus primeiros admiradores.
E, como Alf foi o primeiro a se firmar profissionalmente, eles o viam como modelo.
O fato de logo ter se tornado "cult" -na boate Cantina do Cesar, no Leme, antes mesmo dos 23 anos- pode ter determinado a forma com que Alf conduziu a carreira.
Os donos da noite carioca, vendo nele um chamariz em potencial, viviam convidando-o para suas boates, e Johnny não sabia dizer não.
Em três anos, passou por pelo menos nove casas noturnas no Rio antes de ir fazer história na boate Plaza, também no Leme.
Nesta, ele foi "descoberto" pelo empresário paulistano Heraldo Funaro, que o levou para a Baiúca, na praça Roosevelt -e, em São Paulo, a partir de 1955, Alf continuou um azougue: passou por 12 boates em seis anos, várias vezes em cada. Ele simplesmente não parava quieto.
Em consequência talvez dessa mobilidade, Johnny ficou longe do processo musical quando este de fato começou a se definir, no Rio, na segunda metade dos anos 50.
Em todos os momentos importantes daquele período -a parceria Jobim e Billy Blanco com o samba "Teresa da Praia", o encontro de Tom e Vinicius para fazer "Orfeu da Conceição", a chegada de Aloysio de Oliveira para dirigir a gravadora Odeon, a volta de João Gilberto ao Rio trazendo uma nova batida de violão e o trabalho do próprio João na mesma boate Plaza que já tinha sido o território de Johnny-, enfim, enquanto tudo acontecia, ele estava à distância, na estiva da noite paulistana. (E as distâncias na época eram maiores.)
Como teria sido a bossa nova se Johnny estivesse fisicamente presente na fase final de sua gestação?
Em 1960, no show de bossa nova "A Noite do Amor, o Sorriso e a Flor", no Rio, Ronaldo Bôscoli chamou Alf ao palco e disse que ele "já era bossa nova havia mais de dez anos". Para muitos garotos na plateia, aquilo foi uma novidade -e, quando ele atacou de "Rapaz de Bem", uma revelação. As sementes já estavam lá. Mas Johnny não ficara para a colheita.


THIAGO NEY
O colunista está em férias.




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