|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Biográfico e polêmico, o independente "Na Humildade" é o primeiro disco da carioca, "quase irmã" de MV Bill
Nega Gizza dá voz feminina ao rap do país
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
O rap brasileiro enfim tem voz
feminina. Chega às lojas "Na Humildade", CD de estréia da carioca Nega Gizza, 25. Independente,
o disco inaugura o selo Dum
Dum, dirigido por Gizza com seu
protetor e quase irmão MV Bill.
A artista precisou de discurso de
choque para conseguir se impor e
chegar à MPB de disco. Ele vem a
reboque do polêmico rap "Prostituta", em que Gizza escreve/canta: "Sou puta, sim/ vou vivendo
do meu jeito/ prostituta atacante,
vou driblando o preconceito".
Ela diz que a letra é biográfica,
mas não autobiográfica: "Havia
uma pessoa que eu conhecia que
virou prostituta, e eu não me conformava com aquilo. Me colocar
como prostituta na letra foi uma
necessidade que tive de sentir
aquilo na pele. Pensei "pára, eu
sou puta, tenho que me colocar'".
Fala sobre as reações a seu rap:
"As pessoas ficam meio assustadas, tenho que ficar me explicando. Sinto que as pessoas são preconceituosas ao falarem disso.
Não enxergam que isso está na
mulher que faz programa de TV
quase nua, na que posa para a
"Playboy", na que casa com cara de
alta sociedade ou na que trabalha
num prostíbulo. O Brasil tem que
repensar até que ponto vai a prostituição, o modo como as crianças
estão sendo criadas".
O impacto de "Prostituta" abriu
caminho para a construção de um
disco inteiro, que conta com o
apoio e a participação de produtores do pop (Dudu Marote) e do
rap (Zé Gonzales e Ganja Man). A
sequência de letras em primeira
pessoa se avolumou, sempre
abordando a realidade de comunidades marginalizadas do Rio.
De "Neném", ela fala, em voz
baixa, que é plenamente biográfica e conta a história de seu irmão:
"De como ele se envolveu com o
tráfico, foi preso e morreu, há
quatro anos. Daí vem a história da
minha irmandade com MV Bill,
que trabalhou junto com meu irmão e me apoiou quando eu estava muito deprimida com o que
aconteceu. Bill me ajudou a renascer, virou meu irmão", afirma.
Fala de outros pontos autobiográficos em "Na Humildade":
"Cada letra tem coisas que vi
acontecendo dentro da minha família, da minha comunidade, da
sociedade. "Depressão", "Larga o
Bicho" e "Original" são assim. Vivi
e fiz aquelas letras". Nas vinhetas
"Caminhada" ela conta outra parte de sua história: "A comunidade
do Parque Esperança surgiu de
uma invasão. Invadi com minha
família quando eu tinha 13 anos,
moro lá até hoje. Paulinho, nosso
líder comunitário, está correndo
atrás da legalização da área".
Se sua militância pelo rap (no
feminino, sempre) se intensifica a
cada dia, nem por isso ela descuida da autocrítica, que expressa na
letra que diz "o rap não é perfeito/
assumo meus preconceitos".
"No meio do rap existe preconceito também, com relação à mulher por exemplo. Minha intenção
é que as mulheres se identifiquem
comigo, a partir do que sou. Estamos sempre protestando, o que
não quer dizer que estejamos na
perfeição. O papel do rap é mostrar a realidade, que nem sempre
é justa".
Se a realidade não é, ela faz coro
com MV Bill ao desconfiar da realidade traduzida para a ficção no
filme "Cidade de Deus", co-dirigido por sua amiga e diretora Kátia
Lund. "Vivi na Cidade de Deus,
na época com o Bill. Não quero falar muito sobre isso, mas o filme é
triste para a comunidade, com tudo o que a gente tem lutado. A
gente precisa entrar com os benefícios para a comunidade, não
afundá-la mais ainda".
O resultado de seu discurso, por
ora, parece ser o mesmo que ela
diz sentir da abordagem crua que
deu a "Prostituta": "Tento fazer as
pessoas pensarem comigo, mas
não encontrei respostas ainda".
Mas Gizza está na procura.
Texto Anterior: Moda: Carlos Miele abandona passarelas do Brasil Próximo Texto: Crítica: Crueza é a filosofia de "Na Humildade" Índice
|