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São Paulo, quinta-feira, 25 de setembro de 2003

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TEATRO

Gabriel Villela funde brincadeira com episódios históricos em auto popular

QUADRILHA da liberdade

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
A partir da esq., Michele Fabia, Neuma Nascimento e Tony Silva em cena do espetáculo


VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A MOSSORÓ (RN)

A quadrilha é uma brincadeira comum aos cerca de 214 mil moradores de Mossoró, a 277 km de Natal, no Rio Grande do Norte.
Comunidades de bairro organizam festejos que remetem à contradança de salão de origem francesa (séc. 19), caracterizada pela alegria e movimentos dos pares.
A vocação para a brincadeira coletiva, que tem lá o seu conteúdo dramático, quase foi ignorada pelo diretor mineiro Gabriel Villela, 43, que está na cidade para a encenação do "Auto da Liberdade", protagonizado por artistas amadores ao ar livre.
O espetáculo estréia amanhã, numa arena de 23 m de diâmetro, arquibancada com 5.800 lugares. Lançado em 1999, pela prefeitura (investimento de R$ 1,5 milhão neste ano), o auto antecipa o Cortejo Cultural de 30 de setembro, quando Mossoró lembra a abolição dos escravos cinco anos antes da Lei Áurea (1888).
Há três meses, quando chegou, Villela não havia identificado o "arquivo da cultura popular", traduzido em uma expressão corporal que, segundo ele, assimila "um jeito sincretizado de dançar".
Passado o período de oficinas, cenário e figurinos, com 480 participantes, dos quais 86 integram o elenco (dançarinos, atores) e 30 trabalham nos bastidores, o espetáculo quer dar conta dessa ancestralidade do corpo de baile popular. A movimentação do coro é carro-chefe. Uma coreografia com bacias de alumínio (como na montagem de Villela para "Gota d'Água"), por exemplo, ilustra a recitação do poema "O Navio Negreiro", de Castro Alves.
Máscaras etruscas (da Etrúria, Itália antiga), gregas ou neutras; cocares indígenas; perucas feitas com pavio de algodão de lamparina e adereços típicos das vaquejadas (outro costume local) são exemplos da composição visual do coro. Villela almeja uma dramaticidade que passe pela "carnavalização algo pantagruelesca, dionisíaca". Festa, enfim.
Não é por acaso que o diretor compara a estadia na região ao encontro com o grupo Galpão, nos anos 90, quando lapidou sua estética barroca. Outro dado significativo é a demanda do teatro de rua em Mossoró, que hoje abriga pelo menos dez companhias.
Foi esse o terreno propício que o diretor Amir Haddad (grupo Tá na Rua, RJ) encontrou no primeiro "Auto da Liberdade" (1999 e 2000). Fernando Bicudo, do Maranhão, também dirigiu o espetáculo (2001 e 2002).
E são muitas as liberdades evocadas por Villela ao dialogar com o texto de Joaquim Crispiniano Neto e com o cordel de Antônio Francisco, ambos do RN.
Há a liberdade segundo a Revolução Francesa (1789); Picasso em "Guernica" (1937); Ésquilo na peça "Prometeu Acorrentado" (Grécia antiga) e Mossoró, aqui uma sina ancorada, ainda, no direito ao voto feminino pela professora Celina Guimarães (1898-1972) e na resistência, em 1927, à invasão de Lampião (1898-1938).

AUTO DA LIBERDADE - de: Joaquim Crispiniano Neto. Direção: Gabriel Villela. Equipe de criação: Kaju Ribeiro, Fábio Elias, Ricardo Rizzo, Domingos Quintiliano, Márcio Vinicius, Monica Pompêo, Daniel Maia e Fernando Muzzi. Onde: Estação das Artes Eliseu Ventania, em Mossoró, RN (tel. 0/xx/84/315-4938). Quando: de 26 a 29/9, às 20h e 23h. Quanto: grátis.


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