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CONTARDO CALLIGARIS
Marta Suplicy e Luis Favre: por que tanta zombaria?
Desde o começo do namoro
de Marta Suplicy e Luis Favre, em 2001, é fácil ouvir comentários zombadores. O casamento,
no sábado passado, reavivou a
produção.
Espírito partidário à parte, qual
é a origem dessa reprovação, engraçada ou raivosa que seja?
1) Em 2001, Marta tinha mais
de 50 anos, era ex-deputada federal, prefeita, casada com um senador da República. Por seu trabalho passado, ela representava
também um certo ideal de sabedoria nas coisas do amor.
Ora, quem é mais velho, nos governa e parece mais sábio que a
gente é automaticamente colocado, por nossa imaginação, na categoria dos "adultos", inaugurada pelos pais que tivemos ou teríamos gostado de ter. E, banalmente, as crianças não gostam
que os pais se separem. Por exemplo, temem ser abandonadas: se
eles pensam em seus amores, como é que vão se ocupar direito da
gente?
Tradução dessa preocupação
infantil, desde 2001 vozes nos bares e nos jantares paulistanos perguntavam: enfim, Marta vai governar ou namorar?
2) A idéia de que governar e namorar sejam alternativas excludentes se apóia também na convicção de que o poder deve ter um
preço. Quer governar? Tudo bem,
mas esqueça amores e paixões,
deixe para depois, sacrifique-se.
É uma convicção que nos consola. Pois confirma que há uma razão pela qual não somos prefeitos,
presidentes, governadores ou
mesmo vereadores; é porque preferimos cuidar da vida: namorar,
por exemplo.
O governante infeliz apazigua
nossa culpa cívica. E o governante
que não pretende desprezar seus
sentimentos está querendo demais.
Marta, porta-voz há tempos do
direito à busca da felicidade privada, não tinha como namorar
de fininho. Declarou que uma
prefeita feliz governa melhor.
Muitos teriam preferido ouvir
que governar custa caro e implica
a renúncia aos prazeres do amor.
3) Os compromissos, a distância
geográfica, o momento inoportuno, tudo conjurava, na história de
Marta e Luis Favre, para que fosse sensato desistir. Eles escolheram um caminho árduo.
As histórias de amor dificílimas,
a gente adora no "Aguenta Coração", do Faustão, em que elas valem como fragmentos de novela,
ficções com as quais sonhar. Muito mais difícil é apreciá-las na
realidade.
Em geral, em matéria de amor,
somos ousados apenas nos devaneios literários. Consequência: a
história real de Marta e Luis suscita nostalgias de paixões renunciadas, levanta a inveja de quem
não sabe ou não soube ousar.
4) Em 2001, ouvi dizer: "Se ela
não fosse prefeita, o cara nem a
cumprimentaria". Favre seria um
caçador de dote político, interessado no cargo de "príncipe consorte". No domingo passado, um
taxista comentou: "Se Marta não
se reelege, o homem cai fora".
De fato, o futuro político de
Marta não depende de sua reeleição. Mas o que importa aqui é a
idéia de que Favre estaria gostando da prefeita, e não da Marta.
É uma velha história: imaginamos que deveríamos ser amados
por alguma essência de nosso ser.
E amar "de verdade" seria gostar
do outro, mesmo que ele não tivesse a profissão, o lugar social e a
história que o tornaram quem ele
é.
Como Favre amaria uma Marta "essencial", que não é prefeita,
não foi deputada, não foi sexóloga e não fez uma escolha política
na contramão de seus privilégios
de nascença? Quem seria essa pessoa? Reciprocamente, como Marta amaria um Favre "essencial",
que não seria franco-argentino e
ex-trotskista?
Não somos essências, mas pacotes complexos. Amamos e somos
amados com as mãos cheias das
tralhas que acumulamos em nossas vidas prévias.
5) O comentário segundo o qual
Favre desejaria não Marta, mas a
prefeita, também subentende que
Marta não seria desejável. O que
é curioso: afinal, talvez Favre seja
um "gato", mas Marta é uma
mulher bonita.
Claro, vale o preconceito trivial
sobre sexo depois dos 50, que não
é muito diferente da expectativa
de que a mãe (ainda mais a avó),
não podendo ser virgem, seja casta.
Mas não é só isso. A idéia de que
a prefeita não seria amável como
mulher está a serviço de outro
preconceito, segundo o qual a feminilidade não condiz com a autoridade de quem governa.
Acontece assim que, quando
Marta escolhe uma roupa, uma
maquiagem ou um corte de cabelo, chega o deboche: a prefeita é
uma perua.
Perua seria a mulher que só
pensa em agradar ao desejo masculino. A denominação satisfaz a
boa consciência machista, pois
parece inspirada por um feminismo militante: olhe só, debochamos da feminilidade "alienada"
das mulheres que se enfeitam.
Nota: uma parte relevante do
movimento feminista (as "pro-sex feminists") reivindica os apetrechos tradicionais da feminilidade. É um jeito de afirmar que a
mulher liberada não precisa ser
passiva e recatada nem vergonhosa de seu desejo ou de sua
vontade de ser desejada. Ou seja,
nem sempre a cinta-liga é marca
de domínio.
Em suma, se Marta escolhe
uma roupa sexy de Nina Ricci para seu casamento, é peruagem?
Ou é possível que uma mulher seja prefeita sem deixar de ser feminina?
Enfim, a Marta Suplicy e a Luis
Favre, sem ironia, desejo um casamento feliz.
ccalligari@uol.com.br
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