São Paulo, sábado, 25 de setembro de 2004

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MÚSICA

"Heranças do Samba" defende a permanência do gênero e faz um mapeamento territorial de seus compositores

Livro sublinha geografia do samba carioca

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Um mapeamento do samba pela ótica de seus compositores é o que se propõe a fazer "Heranças do Samba", escrito a seis mãos pelo compositor Aldir Blanc e pelos jornalistas Hugo Sukman, de "O Globo", e Luiz Fernando Vianna, da Folha.
Dada a sua composição mista, a obra entremeia momentos mais poéticos (provável cortesia de Blanc) com fundamentos de livro-reportagem -é abundante em entrevistas com atores do samba, material fotográfico etc.
Traz duas novidades em relação à (pequena) bibliografia já disponível do samba. A primeira delas é que, sem querer se deter unicamente no Rio de Janeiro, acaba contando uma história geográfica do samba da cidade.
Isso se dá pela criação de sete grandes blocos que organizam os diversos compositores em disposição quase sempre geográfica, norteando a definição de capítulos para Serrinha (o que dá a gentil oportunidade de iniciar o texto por Dona Ivone Lara, principal compositora viva do gênero), Oswaldo Cruz, Vila Isabel, Mangueira, Ramos e assim por diante.
É rico para quem não seja familiarizado com as implicações territoriais na constituição dos diversos subgêneros de samba. Ali aprende-se, por exemplo, que Paulinho da Viola organizou uma ponte espontânea entre o samba e a zona sul, quando injetou em seu bairro natal do Botafogo os saberes de Oswaldo Cruz (e da Portela). Descobre-se que a Vila Isabel não é só chão fértil do samba carioca de Noel Rosa a Martinho da Vila, mas abriga ainda um estuário do samba de roda baiano, de Roque Ferreira, Edil Pacheco etc.
Dentro de tal arquitetura, o livro fica a dever aos não-cariocas, por não ilustrar com mapas geográficos o trânsito entre morros, bairros e zonas que o texto revela.
A segunda novidade é o esforço por atestar a permanência do samba, mesmo diante das ondas diluidoras dos anos 80 e 90 -o partido alto e o pagode da geração Fundo de Quintal são vedetes em "Heranças do Samba". Desemboca na movimentação atual do núcleo do Cacique de Ramos, com nova geração que tenta dar continuidade às invenções de Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal.
Embora não explicite um certo empobrecimento poético resultante da supremacia dessa vertente, o livro é pródigo em apresentar nomes que até hoje pouco atravessaram as fronteiras do Rio: Sérgio Procópio, Fred do Salgueiro, Agrião, Márcia Moura e os ditos pragmáticos, que se dividem entre o partido alto e o pagode romântico, como Carlos Caetano, Adrianinho etc. Aqui a discussão ameaça entrar no terreno da diluição do samba -e esquenta.
Informativo e objetivo, o livro bambeia entre essas qualidades e uma ou outra desvantagem -as intervenções abruptas e algo confusas de textos mais livres e poéticos, a falta de espaço para aprofundar qualquer dos debates esboçados e atiçados. "Heranças do Samba" demanda continuação.


Heranças do Samba
   
Autores: Aldir Blanc, Hugo Sukman e Luiz Fernando Vianna
Editora: Casa da Palavra
Quanto: R$ 40 (168 págs.)



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