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COMIDA
à mesa com os orixás
Sincretizado com os santos Cosme e Damião, Ibêji é celebrado neste sábado com o "caruru dos meninos'; veja quais são as predileções alimentares dos orixás do candomblé
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Dizia Jorge Amado que os
Ibêji, orixá duplo do candomblé sincretizado com os santos
Cosme e Damião, são amigos da
boa mesa da culinária baiana.
Quando se observa a fartura
do "caruru dos meninos", celebrado neste sábado, a gourmandise desse orixá fica evidente. Aos gêmeos protetores
da infância oferenda-se caruru
e também acarajé, abará, vatapá, xinxim de galinha, farofa,
rapadura, cana-de-açúcar...
"O candomblé é uma religião
de antepassados. E, segundo as
antigas tradições, quando se
cultua os antepassados, oferece-se tudo que é necessário à vida, sobretudo comida e bebida", diz o sociólogo Reginaldo
Prandi, professor aposentado
da Universidade de São Paulo e
autor de "Mitologias dos Orixás". "Cada orixá tem predileção por um alimento."
No dia de Ibêji, o caruru (prato à base de quiabo, camarão
seco e dendê) é oferecido ao
orixá e depois a sete crianças,
que o recebem em uma grande
tigela. Quando terminam, só
então os adultos são convidados a compartilhar o alimento.
"A comida é elo entre a comunidade e os ancentrais", diz
o antropólogo Vilson Caetano
de Sousa Júnior, professor da
Uneb (Universidade do Estado
da Bahia) e autor de "Banquete
Sagrado", com publicação prevista para o final deste ano.
"Uma coisa é o cortado de
quiabos, outra é a oferenda de
caruru que se faz a Ibêji", diz.
"Diferentemente da comida do
dia-a-dia, a comida ritual, votiva, é preparada de acordo com
preceitos que pressupõem da
abstinência sexual à exigência
de que o corpo esteja limpo."
Dos terreiros para a rua
Na Bahia, as promessas feitas
a Ibêji, do termo iorubá para
gêmeos, são pagas com um
grande caruru e com a distribuição de doces e presentes para as crianças. O tamanho do
prato é medido em quiabos: caruru de mil, de 5.000 quiabos.
"Com o tempo, a festa de Ibêji foi além dos terreiros. Atinge
até quem não é do candomblé.
Assim como a festa de 31 de dezembro, nas praias, era uma
festa de terreiro para Iemanjá e
hoje é de todos", diz Prandi.
Um traço importante das comidas de orixá é o uso, quase
onipresente, do dendê -quase
porque há orixás que têm o ingrediente como um tabu alimentar, caso de Oxalá.
"A palmeira de dendê foi aclimatada ao Brasil para suprir a
região de um óleo que é essencial nesta culinária sagrada",
diz Prandi. "As comidas [de terreiro] nada mais eram que as
comidas do dia-a-dia, que acabaram sendo trazidas para o
Brasil pelo tráfico de escravos.
Com a restauração da religião
negra no Brasil, essas receitas
se mantiveram vivas. Claro que
sofreram adaptações, porque
nem todos os ingredientes de lá
estavam disponíveis aqui."
A culinária sagrada, porém,
não ficou limitada aos terreiros. "É certo que a culinária
baiana saiu dos terreiros. O
acarajé é uma comida sagrada
que passou a ser vendida nas
ruas de Salvador", diz o antropólogo Rodnei William Eugênio, autor do livro "Acaçá, Onde
Tudo Começou - Histórias, Vivências e Receitas das Cozinhas de Candomblé". "Muitas
mães-de-santo ganharam sua
vida e muitas negras compraram sua alforria vendendo quitutes feitos nos terreiros."
Para o professor da Uneb, os
terreiros de candomblé preservaram as técnicas africanas.
"No fundo, o sagrado come o
que os homens comem", diz. "É
extremamente positiva a popularização de tais comidas. Isso
mostra o poder que a cultura de
matriz africana teve de se disseminar, de se espalhar."
As iabassês e os tabus
A preparação das comidas de
oferenda, chamadas de ebós,
cabe a uma mulher, a Iabassê.
"No candomblé, a cozinha é um
templo, é um espaço sagrado e
cheio de interdições", diz Eugênio. Oxalá, por exemplo, é um
orixá cheio de tabus (leia no
quadro à direita). Tem, por isso,
uma cozinha exclusiva, onde
não entram dendê nem sal.
"Os tabus são formas de criar
a sua identidade através de
uma exclusão", explica Prandi.
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