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29ª BIENAL DE ARTES
"Uma grande obra é política em si"
Na Bienal, Cildo Meireles, Nuno Ramos, Paulo Bruscky, Joseph Kosuth e Zé Celso defendem obras mais sutis
Obras desses artistas não ignoram críticas a figuras e estruturas de poder, mas trilham rotas mais simbólicas
DE SÃO PAULO
É impossível ver a distância, mas a paisagem idílica
num cilindro gigantesco,
obra de Cildo Meireles na Bienal, gira movida por homens
de verdade num engenho às
avessas debaixo dela.
Meireles passa longe da
campanha política para revelar e ao mesmo tempo esconder as engrenagens do poder
e da construção da imagem.
Não é território estranho
para quem já circulou mensagens contra a ditadura em
cédulas de dinheiro e garrafas de Coca-Cola nos anos 60.
"Arte política não pode ser
imediatista, o trabalho tem
que estar inserido na história
da arte", resume Meireles.
"Não adianta fazer denúncia
de pernas curtas, que não sobrevive às circunstâncias."
Pernas curtas, no caso, teriam a pseudocampanha de
Roberto Jacoby a favor de Dilma Rousseff, ou mesmo os
assassinatos do papa, Lula e
George Bush por Gil Vicente.
Sem violência, Paulo
Bruscky parou o trânsito numa ponte em Recife durante
a ditadura, amarrando uma
fita vermelha de ponta e ponta. Está na Bienal um filme
das pessoas que param,
olham e decidem passar por
baixo ou por cima da linha.
"Eram obras que expunham o clima de uma época", lembra Bruscky. "Trabalhei até com termômetros,
mostrando o clima político
como poesia e como tensão."
Nessa tensão, o artista foi
preso duas vezes nos anos 70
e diz ter sido ameaçado de
morte pelo regime militar.
"Passei seis meses com medo
de ser morto", conta. "Diziam que eu seria assassinado, ou melhor, acidentado."
MÍSSIL DO DISCURSO
Nos Estados Unidos, o artista Joseph Kosuth enfrentou ameaças de outra ordem.
Pioneiro da arte conceitual,
ele está na Bienal com quatro
painéis que reproduzem as
definições de "norte", "sul",
"leste" e "oeste", pontos cardeais de uma ação estética e
ao mesmo tempo política.
Quando decidiu ser mais
explícito, fez, nas eleições de
1992, uma obra a favor de Bill
Clinton e contra George
Bush. Foi seu primeiro e último trabalho panfletário.
Chegou a ser ameaçado de
censura pelo museu, que era
público, mas a instalação ficou lá até a vitória de Clinton.
"É perigoso afirmar uma
mensagem, uma ordem", diz
Kosuth à Folha. "O problema
da arte política é que ela tem
o mesmo conservadorismo
que a publicidade, reduz tudo a um momento, e arte é
importante demais para ser
só o míssil de um discurso."
Fugindo desse míssil, Kosuth depois seguiu um caminho também explícito, mas
do ponto de vista semântico.
Amplia as definições de
palavras do dicionário ou
prega citações de filósofos ou
líderes totalitários ao lado de
obras de outros artistas em
museu. Está lá um discurso
seu e ao mesmo tempo anônimo, que deixa as associações a cargo do espectador.
"Política está ligada ao poder humano de interferência
nas estruturas", resume José
Celso Martinez Corrêa, que
encena amanhã, na Bienal, a
peça "Bailado do Deus Morto", de Flávio de Carvalho.
"Uma grande obra de arte
é política em si", afirma. "A
rampa da Bienal é política."
(SILAS MARTÍ)
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