São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2011

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MÔNICA BERGAMO
bergamo@folhasp.com.br

escondendo o
OURO


Alexandre Rezende/Folhapress
Maristela Marco Antonio em sua casa, no Morumbi

Assalto a banco reforça o medo de mulheres que adoram joias- e que não conseguem nem mesmo guardá-las com segurança; algumas dizem esconder peças até na boca quando saem para passear

As técnicas variam. Algumas guardam na boca. Outras aconchegam nos seios. Há quem até camufle no pote de açúcar. São anéis, gargantilhas, braceletes e brincos que elas não se arriscam mais a exibir.
Entre sair de casa e chegar a um evento, inventam todo tipo de malabarismos para evitar assaltos.

 

A maioria tinha levado seu patrimônio aos bancos depois que suas casas passaram a ser alvo de grandes roubos. Após o assalto aos cofres do Itaú, boa parte dessas mulheres não faz ideia de como se proteger. a "Meu marido me pergunta o que eu quero de presente. Tudo, menos joi-as! E olha que gosto. Mas não tenho onde usar. Você vai a uma festa, tem que por na boca até chegar lá [para que ladrões não percebam que as pessoas no veículo levam peças de valor]. Tô preferindo viajar", diz Maristela Marco Antonio à repórter Thais Bilenky.
 

Ela tem um cofre em um banco e outro em casa, "para o ladrão". "Põe lá as 'joinhas' vagabundas e acabou", diz seu marido, o empresário e pediatra Ruy Marco Antonio, que vendeu o hospital São Luiz em 2010. Quando tem festa, ela vai ao banco com seguranças buscar os adornos.
 

"Eu não quero manter tudo em casa e morrer de medo. Aqui, eu não tranco nada, não escondo nada dos meus funcionários. Largo todas as coisas na mesa e eles colocam no lugar. Nunca me roubaram. Se eu não tiver liberdade nem no meu mundo, que já é pequeno, não dá", diz Maristela.
 

A casa tem alarme, câmeras de monitoramento, sensor infravermelho, portas blindadas para os quartos. Maristela confunde o número do próprio celular com o de Bernardino Fanganiello, dono da empresa de segurança GP, que tem 18 mil funcionários e protege bancos, banqueiros e industriais. Um posto de vigilância 24 horas numa casa custa R$ 14 mil por mês.
 

"Quando levei meus netos a Miami pela primeira vez [há três anos], entramos no carro e eu falei para eles abrirem a janela. Ficaram paralisados: 'Mas pode, vovó?'. Depois, eles não queriam saber de comprar nada. Só queriam andar de carro e sentir o vento, a liberdade", conta Maristela.
 

Adele Kherlakian tinha cofre no Itaú e em outro banco. "Graças a Deus", diz a empresária, escapou do assalto. Agora, está retirando as peças para colocá-las à venda. "Vou ficar só na biju [bijuteria]. Não vou chorar por joia. Se até nossos filhos pertencem a Deus, imagina os objetos?"
 

Há dois anos, sua família foi assaltada em casa. Parte dos bens recuperados, ela vendeu. Outra parte, pôs no banco. Agora, está sem opção. "Neste país, você não pode ostentar. A minha extravagância é um relógio Bvlgari que só vou usar no exterior. Minhas amigas joalheiras vão ficar tristes, mas joia deixou de ser investimento. Virou risco de vida."
 

Adele se diz "desapegada de bens materiais". Há poucos dias, ela almoçou com uma amiga que só tirou o Rolex da bolsa quando chegou ao restaurante. "Alguém deve ter visto. Quando entramos no carro para ir embora, vieram uns motoqueiros. Pediram só o relógio." Adele, que dirigia o carro, escapou numa manobra veloz.
 

"É doce ilusão achar que pode usar joia no exterior", afirma a empresária de moda Helena Mottin. Ela foi assaltada no aeroporto de Nice, na França. Levaram dinheiro, passaportes e um brilhante que ganhou do pai aos 18 anos. "Se não fosse o [empresário] Carlos Mansur, que nos emprestou € 6.000, não teríamos dinheiro para tomar água. Mas é claro que vou continuar usando joias. O que a gente tem é para usar."
 

Uma das vítimas do assalto do Itaú conversou com a coluna sob a condição de anonimato. "Já fui assaltada em casa e no banco. Não vou comprar novas joias. Sabe quando você perde o encanto?"
 

Para ela, o problema é a "impunidade. Tenho um cunhado que viajou para a Arábia. Estava num restaurante e esqueceu a máquina fotográfica. Voltou crente que não ia recuperá-la. Mas estava lá. Porque na Arábia corta-se dedo, corta-se mão. Precisamos de penas mais severas". Ela se despede:
"Investe em viagem, em conhecimento, que nunca vão tirar de você".
 

Ana Maria Velloso, mulher do empresário Paulo Velloso, da Companhia Melhoramentos, conta que as amigas "estão fazendo fila nos poucos bancos que ainda oferecem serviço de cofres no Brasil". Outras já guardavam suas peças no exterior. A designer de joias Emar Batalha descobriu a técnica de uma cliente que esconde as joias em casa. "Ela embrulha a peça em uma sacolinha plástica e põe dentro daqueles potes com pressão de açúcar, arroz, feijão. Qual a probabilidade de um ladrão achar?"
 

A empresária e fazendeira Vanda Jacintho voltou recentemente de Londres com a mala cheia de bijuterias. Ela costuma comprar peças da Hermès, Chanel e Yves Saint Laurent por até € 1.000, "mas que não fascina ladrão". "Eu só uso bijuteria de bom gosto. Tem de marfim, de osso, de esmalte, com pedras, pérolas não verdadeiras."
 

Desde que sua filha foi assaltada, há três anos, Vanda tirou as joias do banco, vendeu as mais valiosas e deu outras a parentes. "Sou desiludida. Não dá para manter em casa e servir de isca para ladrão. Os maridos estão adorando, porque as mulheres estão gastando menos."
 

Anna Cláudia Rocha, da joalheria Ana Rocha & Appolinario, não acredita que quem usou joia a vida inteira se acostume com bijuteria. E aconselha amigas e clientes a guardar objetos de valor nos bancos.
 

Mais de 15 clientes de Lydia Sayeg, da Casa Leão, tiveram bens levados dos cofres do Itaú. A joalheria só recebe clientes convidados. Alguns já foram à loja repor as perdas. Chegaram abalados, tremendo, diz ela. Uma consumidora escolheu como pedra fundamental da nova coleção um anel igual ao que ganhou dos pais aos 15 anos. "'Você cresceu, o anel tem que crescer também', eu disse a ela." O novo tem diamante maior. Custou R$ 20 mil.
 

Outro cliente, um homem mais velho, está inconsolável pois perdeu cartas de amor da vida inteira. Lydia conta que algumas joias que estavam nos caixas-fortes foram avaliadas por ela há mais de uma década. Inclusive um colar "enorme" de brilhantes, estimado em R$ 70 mil.
 

Lydia adota uma linha de desapego. "Por que a joia é o único produto que tem que durar cem anos e ainda valer alguma coisa? Muitas mulheres gastam US$ 5.000 num [sapato] Louboutin e, em um ano, tá uma porcaria. É ou não é? Gastam R$ 3.000 em um vinho e fazem xixi no dia seguinte. Hellooo!"
 

Lydia também convida clientes para que a acompanhem em aulas de tiro. muitos aceitam, em geral homens mais jovens. "direitos humanos não podem ser só para os assassinos."


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