|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PATRIMÔNIO HISTÓRICO
Residência que foi projetada pelo artista modernista está abandonada no interior de SP
Casa de Flávio de Carvalho cai aos pedaços
MARCELO BARTOLOMEI
da Redação
ANA PAULA SCINOCCA
free-lance para a Folha
A principal herança da obra de
Flávio de Carvalho -a casa da
Fazenda Capuava, onde viveu, no
interior de São Paulo- está deteriorada. Hoje, a casa, marco inicial da arquitetura moderna no
Brasil, vive abandonada, acumula
sujeira, teias de aranha, pichações
e problemas de infra-estrutura.
Do ousado projeto original, ainda restam intactas, porém sujas,
as paredes revestidas de alumínio
na cozinha e no banheiro, além da
pintura nos dois alpendres de 22
metros de comprimento que atravessam e sustentam o prédio.
A casa, que fica em Valinhos (a
95 km de São Paulo), é um dos
dois únicos projetos arquitetônicos concretizados por Flávio de
Carvalho. Ela foi construída em
1936 e projetada mais para conceber as idéias do modernista que
para oferecer conforto à família,
que morou no local até 1992. Os
quartos, por exemplo, servem de
passagem entre os cômodos, impedindo a privacidade na casa, segundo a análise de especialistas.
Além disso, todos os cômodos
têm ligação com a área externa da
casa, revestida de grama.
A obra
Cercada por vegetação nativa
em uma área de 1.000 m2, a casa é
dividida em dois setores distintos:
um grande salão social, com pé
direito de 7,5 metros de altura, e a
área íntima, com quartos, cozinha
e banheiros, além de biblioteca e
uma sala para guardar antiguidades e a memória da família.
A segunda área foi construída
em formato de "U" e tem um jardim-de-inverno no meio.
Os alpendres que sustentam o
vão livre de 200 m2 na entrada e
nos fundos do salão social da casa,
sustentados por duas colunas, são
sede de um terraço e dois jardins
suspensos. O vão livre é a marca
do cálculo em engenharia promovido por Carvalho e que permite o
equilíbrio das vigas.
No caminho que leva à casa, no
bairro batizado também de Capuava, os sinais do abandono são
nítidos: quase à beira da estrada
que liga Valinhos à rodovia D. Pedro 1º, o chão é de terra e a cidade
quase "engole" a fazenda, que já
teve 90 hectares. Ao lado, há um
haras e um loteamento popular.
Ao chegar na fazenda, os olhos
se voltam para a segunda casa,
construída em estilo colonial, onde vive atualmente uma prima do
artista, sua herdeira.
Para apreciar a obra modernista
de Carvalho, é preciso olhar para
o lado e confirmar: "É aqui mesmo?". O prédio, uma construção
de 500 m2, depois de percebido,
no entanto, encanta.
O salão social, primeiro plano
da casa, é em forma de trapézio e
tem um mezanino de madeira,
cujas bordas estão apodrecendo.
Seu teto é coberto por placas de
gesso, que foram restauradas em
96, mas têm várias infiltrações.
A Prefeitura de Valinhos mantém a casa em regime de comodato desde 97 com a família do artista, morto em 73.
A piscina também chama a
atenção: tem 33 metros de comprimento, 11 metros de largura e 5
metros de profundidade e é revestida de azulejo branco, com pedras nas bordas.
Segundo o secretário da Cultura
de Valinhos, Antonio Stopiglia,
um estudioso da vida e da obra de
Flávio de Carvalho, a prefeitura
não tem condições de assumir a
reforma da casa sozinha.
"A prefeitura fez uma limpeza
em volta da casa, onde o mato estava alto, para isolar o local de vegetação, e tentar evitar que ela seja
invadida", afirmou.
Os tacos de madeira do chão
dos três quartos da casa estão
apodrecendo. Há rastros de animais que entraram na casa, folhagens, portas e pedaços de madeira
espalhados pelo chão.
Ainda há camas de ferro nos
quartos, enferrujadas. No banheiro, o vaso sanitário, feito de louça
inglesa branca, está quebrado.
Nenhuma das portas de esquadrias de alumínio têm vidros.
Talvez o maior símbolo do descaso com a obra modernista de
Carvalho, no entanto, esteja no
espaço onde funcionava sua biblioteca particular: o teto desabou
por não ter resistido ao peso das
telhas e ao acúmulo de água.
No cômodo, entre os escombros do telhado, vive uma cadeira
de um arco, projeto do artista, feita com somente um arco de sustentação e com tiras de couro estendidas no assento e no encosto.
O escritor J. Toledo, biógrafo e
amigo pessoal de Flávio de Carvalho, disse ter se surpreendido com
o estado da casa. "Sabia que a casa
estava malconservada, mas não
acreditei que estaria completamente caindo aos pedaços. É lamentável", afirmou.
Ele foi uma das pessoas que lutou pelo tombamento da casa, feito pelo Condephaat (Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico,
Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo) em 82.
Desde que a casa foi tombada,
foi feita somente uma reforma no
seu teto, em 96, com R$ 30 mil.
De acordo com o secretário da
Cultura de Valinhos, o governo
do Estado estuda a possibilidade
de fazer parcerias com a iniciativa
privada, por meio da Lei Rouanet,
para restaurar e reformar a obra.
A terapeuta Heloísa Crissiúma
de Carvalho Pisciotta, 39, prima e
herdeira do patrimônio do modernista, afirmou que morou na
casa e que acha triste ver o estado
de abandono. "Desde que a casa
foi tombada, a família não pode
fazer nada lá", disse.
Texto Anterior: Relâmpagos - João Gilberto Noll: Damas do apostolado Próximo Texto: Memória: Um encontro e o melhor presente para uma obra destruída Índice
|