São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 2002

Texto Anterior | Índice

RAP

Megashow de lançamento do novo disco será captado por 11 câmeras e terá repertório sem hits

Racionais serão atores em DVD

ISRAEL DO VALE
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

Avessos à imprensa como sempre, misteriosos como nunca. Envoltos numa atmosfera próxima à da lei do silêncio que impera em certa periferia, os Racionais inauguram amanhã uma nova era na produção de eventos de hip hop no Brasil.
Três meses após levar (sigilosamente) às lojas seu "Nada como um Dia Após o Outro Dia", o grupo faz a primeira aparição pública no lançamento do disco, um megashow de que ninguém nada sabe, ninguém nada viu.
O hiato entre o início da venda do CD e o primeiro show com base no novo repertório tem a mesma origem da lei do silêncio: a operação quase hollywoodiana (para padrões do "showbiz" nacional) que o principal grupo de rap do país e um dos nomes mais relevantes da música brasileira atual armou para o lançamento.
Não é sem porquê. O show dará origem ao primeiro DVD brasileiro de rap -best seller certeiro, na esteira do disco que o origina, que já supera a marca de 200 mil cópias vendidas.
Somada ao atropelo para pôr em pé a operação (em tempo infinitamente menor que a ambição), a estratégia surdo-muda de divulgação envolveu a exigência de que ninguém envolvido na produção falasse a respeito.
A reportagem da Folha procurou os integrantes da banda. Falou brevemente com KL Jay, o DJ do quarteto. A oito perguntas, corresponderam cinco respostas iguais: "Não posso falar".
Nas entrelinhas das demais, todas lacônicas, KL Jay deixa antever o tamanho da operação. "É a primeira vez que fazemos um show com estrutura", diz. "Tem cenário, tem um puta som, tem encenação." Ops! Encenação? Sim. Na esteira da crônica da periferia desenvolvida em suas letras e dos cacos sonoros presentes nas músicas (repletas de vinhetas e sons incidentais), o show vai radicalizar na teatralização, na dramatização dos diálogos.
O silêncio evocado aos quatro ventos tenta resguardar a surpresa. A Folha apurou, por exemplo, que Mano Brown e Ice Blue entram no palco de moto. Ao fundo do palco, recursos cenográficos reproduzem uma favela estilizada. Pela primeira vez, iluminação e direção estão a cargo de especialistas -profissionais que trabalham a peso de ouro no mercado publicitário. Tudo em nome do DVD.

Clipes exclusivos
O show deve durar entre 1h30 e 1h45. A cada música será projetado um clipe diferente, feito especialmente para a apresentação. Tudo captado por 11 câmeras, com direito a trilhos e grua.
O DVD também determinou o repertório, centrado nas músicas do atual disco. Com isso, hits como "Fim de Semana no Parque" e "Homem na Estrada", que projetaram a banda, estão fora da dúzia de músicas programada até o primeiro ensaio -que, dado o atraso na produção, só seria feito na tarde/noite de ontem.
O espaço em que o show será realizado é uma antiga metalúrgica desativada na década passada. O galpão principal comporta 15 mil pessoas. Anexo a ele, um outro, com cerca da metade do tamanho do primeiro, acomodará praça de alimentação e um minishopping com estandes para venda de discos e roupas. Não é um lugar de tradição na realização de shows. Nos últimos meses, foi usado em duas ocasiões, para uma festa da igreja vizinha ao prédio (e que lhe empresta o nome) e em evento de campanha de um deputado do PT -o endereço fica em frente à sede paulista da Central Única dos Trabalhadores, entidade sindical de orientação petista.
A grande procura pelos ingressos antecipados deixa prever casa cheia, em paralelo à receptividade de "Nada como um Dia Após o Outro Dia". A boa acolhida do novo disco é tímida em relação ao anterior, "Sobrevivendo no Inferno", que teria alcançado 500 mil cópias oficiais -e, estima-se, igual quantidade no mercado pirata. São números mais que consideráveis no mercado retraído destes dias, no embate entre a clonagem digital marreteira e os preços irreais do mercado formal.
É, de todo modo, uma proeza. "Nada como um Dia" é um disco duplo. Significa dizer que os patamares atuais correspondem, na lógica da Associação Brasileira de Produtores de Discos (a ABPD, que congrega as grandes gravadoras do país) a 400 mil discos vendidos. Mais: atingiu isso tudo apenas no boca-a-boca, sem esforço algum de seus integrantes em desfilar pela mídia (a única entrevista concedida até hoje por Brown foi à rádio Transcontinental), sem qualquer "estímulo" (financeiro) adicional para que as emissoras tocassem suas músicas.


Texto Anterior: Carlos Heitor Cony: A curiosa história do forasteiro e dos notáveis
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.