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RAP
Megashow de lançamento do novo disco será captado por 11 câmeras e terá repertório sem hits
Racionais serão atores em DVD
ISRAEL DO VALE
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
Avessos à imprensa como sempre, misteriosos como nunca. Envoltos numa atmosfera próxima à
da lei do silêncio que impera em
certa periferia, os Racionais inauguram amanhã uma nova era na
produção de eventos de hip hop
no Brasil.
Três meses após levar (sigilosamente) às lojas seu "Nada como
um Dia Após o Outro Dia", o grupo faz a primeira aparição pública
no lançamento do disco, um megashow de que ninguém nada sabe, ninguém nada viu.
O hiato entre o início da venda
do CD e o primeiro show com base no novo repertório tem a mesma origem da lei do silêncio: a
operação quase hollywoodiana
(para padrões do "showbiz" nacional) que o principal grupo de
rap do país e um dos nomes mais
relevantes da música brasileira
atual armou para o lançamento.
Não é sem porquê. O show dará
origem ao primeiro DVD brasileiro de rap -best seller certeiro, na
esteira do disco que o origina, que
já supera a marca de 200 mil cópias vendidas.
Somada ao atropelo para pôr
em pé a operação (em tempo infinitamente menor que a ambição),
a estratégia surdo-muda de divulgação envolveu a exigência de que
ninguém envolvido na produção
falasse a respeito.
A reportagem da Folha procurou os integrantes da banda. Falou brevemente com KL Jay, o DJ
do quarteto. A oito perguntas,
corresponderam cinco respostas
iguais: "Não posso falar".
Nas entrelinhas das demais, todas lacônicas, KL Jay deixa antever o tamanho da operação. "É a
primeira vez que fazemos um
show com estrutura", diz. "Tem
cenário, tem um puta som, tem
encenação." Ops! Encenação?
Sim. Na esteira da crônica da periferia desenvolvida em suas letras e
dos cacos sonoros presentes nas
músicas (repletas de vinhetas e
sons incidentais), o show vai radicalizar na teatralização, na dramatização dos diálogos.
O silêncio evocado aos quatro
ventos tenta resguardar a surpresa. A Folha apurou, por exemplo,
que Mano Brown e Ice Blue entram no palco de moto. Ao fundo
do palco, recursos cenográficos
reproduzem uma favela estilizada. Pela primeira vez, iluminação
e direção estão a cargo de especialistas -profissionais que trabalham a peso de ouro no mercado
publicitário. Tudo em nome do
DVD.
Clipes exclusivos
O show deve durar entre 1h30 e
1h45. A cada música será projetado um clipe diferente, feito especialmente para a apresentação.
Tudo captado por 11 câmeras,
com direito a trilhos e grua.
O DVD também determinou o
repertório, centrado nas músicas
do atual disco. Com isso, hits como "Fim de Semana no Parque" e
"Homem na Estrada", que projetaram a banda, estão fora da dúzia
de músicas programada até o primeiro ensaio -que, dado o atraso na produção, só seria feito na
tarde/noite de ontem.
O espaço em que o show será
realizado é uma antiga metalúrgica desativada na década passada.
O galpão principal comporta 15
mil pessoas. Anexo a ele, um outro, com cerca da metade do tamanho do primeiro, acomodará
praça de alimentação e um minishopping com estandes para venda de discos e roupas. Não é um
lugar de tradição na realização de
shows. Nos últimos meses, foi
usado em duas ocasiões, para
uma festa da igreja vizinha ao prédio (e que lhe empresta o nome) e
em evento de campanha de um
deputado do PT -o endereço fica em frente à sede paulista da
Central Única dos Trabalhadores,
entidade sindical de orientação
petista.
A grande procura pelos ingressos antecipados deixa prever casa
cheia, em paralelo à receptividade
de "Nada como um Dia Após o
Outro Dia". A boa acolhida do
novo disco é tímida em relação ao
anterior, "Sobrevivendo no Inferno", que teria alcançado 500 mil
cópias oficiais -e, estima-se,
igual quantidade no mercado pirata. São números mais que consideráveis no mercado retraído
destes dias, no embate entre a clonagem digital marreteira e os preços irreais do mercado formal.
É, de todo modo, uma proeza.
"Nada como um Dia" é um disco
duplo. Significa dizer que os patamares atuais correspondem, na
lógica da Associação Brasileira de
Produtores de Discos (a ABPD,
que congrega as grandes gravadoras do país) a 400 mil discos vendidos. Mais: atingiu isso tudo apenas no boca-a-boca, sem esforço
algum de seus integrantes em desfilar pela mídia (a única entrevista
concedida até hoje por Brown foi
à rádio Transcontinental), sem
qualquer "estímulo" (financeiro)
adicional para que as emissoras
tocassem suas músicas.
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