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FOTOGRAFIA
Suíço diz que sempre evitou retratar constrangimento e que credibilidade do fotógrafo é seu melhor equipamento
"Orgulho-me das fotos que não fiz", diz Burri
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Uma das imagens mais conhecidas de René Burri é o retrato de
Che Guevara, então com 35 anos,
fumando um charuto em seu gabinete de ministro da Indústria,
em Havana, em 1963. Burri recebeu a reportagem da Folha também envolto numa nuvem de
charuto, que ele fumava enquanto
contava animadamente sua trajetória nesses 50 anos de atividade.
Ele falou sobre as fotografias que
deixou de fazer, sobre fotografia
digital e sobre São Paulo, entre
outros temas. Leia a seguir alguns
trechos.
(EDER CHIODETTO)
SÃO PAULO
Ao chegar a São Paulo em 1960
a cidade me pareceu semelhante a
Chicago, por causa do dinamismo e do poderio econômico. Eu
ficava intrigado com a miscigenação e a mistura de culturas. Pensei, e ainda penso, que São Paulo
pode vir a ser o exemplo de uma
cidade multirracial que funciona
em harmonia. Talvez daqui a uns
20 anos pode acontecer aqui uma
revolução com o surgimento de
um novo Che Guevara. Na verdade, acho que esse tempo é mais
propício a uma evolução do que a
uma revolução.
Na Europa tudo parece encaixado, é tudo pré-programado. Aqui
as coisas ainda estão por serem
feitas. Existe a possibilidade de se
recriar sempre.
CUBA
Em 59, após seis meses na América Latina, optei por tirar férias e
fui esquiar com minha família na
Suíça, abrindo mão de ir fotografar "um monte de barbudos que
estavam descendo da Sierra
Maestra, em Cuba". Era a Revolução Cubana. Fiquei com um peso
no coração por dois anos, até que
me chamaram de novo e consegui
fotografar o Che. Fiz uns oito rolos de filmes e não tem sequer
uma foto em que ele esteja olhando para mim. Ele fazia um gênero
de quem não estava suportando a
minha presença. Ignorou-me
completamente, talvez porque eu
estivesse com uma americana.
DIGITAL E A MANIPULAÇÃO
Digital ou negativo é apenas
uma questão técnica. O ato fotográfico vai além. O importante
ainda é a sintonia entre olho, coração e pés. O problema está na
credibilidade do fotógrafo e não
no equipamento. Durante a Guerra Fria, os russos retocavam as fotos; hoje o mundo inteiro faz o
mesmo.
Os fotógrafos têm a obrigação
de fotografarem o mundo para
que daqui a 100 anos se tenha um
visão realista de hoje.
Todos parecem mais preocupados em se tornar celebridade que
em trabalhar honestamente. A vida não é uma corrida rápida, é
uma maratona.
As fotos feitas pelos fotógrafos
infiltrados nos Exércitos americano e britânico na Guerra do Iraque são imagens hollywoodianas,
isso não pode acontecer. Ficaram
no conforto do abrigo e deixaram
de contar a história real.
Acredito que seja necessário
que os fotógrafos busquem a verdade e editores que tenham coragem de publicá-la.
FOTOGRAFIAS NÃO FEITAS
Não lamento as fotografias que
não fiz. Aliás, eu me orgulho de
várias fotos que deliberadamente
não fiz. Nunca gostei de fotografar miséria, pessoas mortas ou em
situação constrangedora.
Fotografar é importante, mas a
vida e o respeito a ela estão na
frente de tudo.
MAGNUM
Com a energia dos novos fotógrafos a Magnum pode manter a
força. A questão é como se manter
independente. Mas pode ser que
um dia ela acabe. Já foi um milagre se manter por 60 anos. Isso
ocorreu graças ao Cartier-Bresson, que dava as linhas mestras da
agência. Ele tinha a capacidade de
manter as pessoas reunidas em
torno da árvore. Ele resistiu muito
a aceitar fotógrafos contemporâneos como o Martin Parr, por
exemplo.
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