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29ª MOSTRA DE CINEMA
Em "A Batalha do Chile", documentarista Patricio Guzmán flagra etapa crucial do governo e o golpe contra Salvador Allende
Trilogia costura páginas da (quase) revolução
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando achou que "as palavras
"política" e "utopia" haviam se unido" em seu país, o chileno Patricio
Guzmán, 64, decidiu escrever
com a câmera a sua "declaração
de princípios".
O "texto" são os 285 minutos
(repartidos em três partes) do documentário "A Batalha do Chile",
que vê a ascensão e queda do governo Salvador Allende (1970-73),
a partir dos gabinetes e das ruas.
A 29ª Mostra de SP exibe hoje a
obra, que ocupa lugar definitivo
na galeria dos filmes políticos desde 1979, quando foi concluída.
Foi sobre o papel do documentário e a política na América Latina de ontem e de hoje a conversa
que Guzmán teve com a Folha,
por telefone, de Paris, onde vive.
Folha - Durante as filmagens o sr.
percebeu que "A Batalha do Chile"
teria tanta relevância histórica?
Patricio Guzmán - Estávamos
conscientes, porque a situação era
muito dramática. Um período
crucial se avizinhava. Ou haveria
um golpe de Estado ou Allende
conseguiria controlar a situação e
aprofundar a revolução. Ambos
eram muito importantes.
Folha - O sr. deixa claro que está
ao lado de Allende. No entanto, o
filme é respeitado também por
quem tem opiniões políticas distintas. A que atribui esse resultado?
Guzmán - O cineasta não é um
observador neutro e desapaixonado da realidade. É um participante ativo. O problema é a verossimilhança. É preciso ser crível no
que se conta.
A objetividade é um princípio
que não se aplica ao cinema documental. Dos períodos históricos
que a objetividade atravessou, o
mais odioso para nós, documentaristas, foi nos 60, quando as
grandes cadeias de TV dos EUA e
as estatais européias estabeleceram o princípio da objetividade.
Como se pode pedir a um pintor que use a mesma dose de amarelo, azul e verde num quadro? É
impossível. Vai contra a natureza
do cinema. Talvez a objetividade
jornalística anglo-saxã possa se
aplicar a reportagens de TV. Mas
não a um documentário de autor.
Folha - Acha que seu filme contribuiu para o julgamento histórico
de Allende (1908-73) e Pinochet?
Guzmán - Contribuiu sobretudo
para defender a Unidade Popular
e o projeto de Allende. No Chile,
demoliu-se tão sistematicamente
a imagem do governo Allende nos
últimos 30 anos que tenho a impressão de que o filme é a única
prova de que aquilo existiu.
Folha - O sr. está a par da crise do
governo Lula da Silva?
Guzmán - Desgraçadamente.
Folha - O que pensa a respeito?
Guzmán - Parece haver uma
oposição disposta a não perdoar
nada. Por outro lado, suponho
que governar o Brasil seja uma tarefa titânica.
Senti muito quando, no primeiro ano do governo Lula, colaboradores seus da vida toda saíram,
por julgar que o governo ia para o
centro ou a centro-direita.
Não me atrevo a julgar isso, mas
lamento muito. Sem unidade, dificilmente pode-se enfrentar inimigo tão poderoso como os EUA.
Folha - Que tipo de "inimigo" são
os Estados Unidos da era Bush?
Guzmán - É um dos governos
mais débeis da história dos EUA.
A luta frontal contra o terrorismo
é uma política cega que não faz
mais do que semear o terrorismo
pelo mundo todo. Na comparação, Bush faz [o presidente Ronald] Reagan [1981-89] parecer
um estadista -um disparate.
Folha - Como avalia a chance de
uma mulher de esquerda, Michelle
Bachelet, eleger-se presidente do
Chile neste ano?
Guzmán -Mulher ou homem, interessa é que o próximo presidente aprofunde a democracia, ainda
insuficiente. A economia funciona bem, mas a um custo altíssimo.
Os contratos são precários. Não se
exerce o direito de greve.
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