São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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Espetáculo de dança vai às origens da caligrafia

Dançarinos se movem entre camadas de papel feito de arroz na montagem "Wild Cursive'; passos e respiração definem caminhos da tinta

Grupo se inspira no conceito de acaso do "I-Ching" em última parte de trilogia

Divulgação
Movimento de "Wild Cursive', da companhia Cloud Gate


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

Da primeira vez em que eles estiveram em São Paulo, em 2003, o chão do Teatro Alfa foi todo recoberto por cascas de arroz, para o espetáculo "Canções dos Peregrinos". Na segunda vez, em 2004, com "Água Lunar", o chão foi recoberto de água. Desta feita, a companhia Cloud Gate apresenta "Wild Cursive" (caligrafia livre), que tem como cenário papel e tinta.
Em entrevista por e-mail à Folha, Lin Hwai-min, coreógrafo e diretor da companhia, explica: "Rolos de papel de arroz caem no chão, e a tinta preta escorre de tubos escondidos em cima, derramando-se sobre o papel lenta e quase invisivelmente. A tinta se espalha em desenhos abstratos, fiel ao conceito de "acaso" do "I-Ching'".
Com a acumulação dessas rotas do tempo, surge o que ele chama de cenário "in progress" (em andamento): a iluminação realça a transparência variável do papel de arroz chamando atenção para "a força das imagens negras e fluidas". É entre as camadas de papel que os dançarinos se movem.
Seus movimentos "ecoam os da tinta", num fluxo decorrente da respiração. Para Hwai-Min, trata-se de uma corrente sutil, em contraponto com o espetáculo em constante mudança. "Sempre fui fascinado pelo processo da tinta na água e o suave líquido fluindo no papel branco; quer dizer, pela arte da caligrafia, a arte de ir do mais simples ao mais elaborado".
Foram dez meses para produzir o papel -e normalmente 30 segundos para a tinta descer de alto a baixo dez metros de papel, só pela força da gravidade, criando linhas verticais. Para obter traços circulares e diferentes, o fabricante de papel fez uma composição especial com o papel de arroz.

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"Wild Cursive" (2005) é o último capítulo da trilogia "Cursive" formada também por "Cursive" (2001) e "Cursive 2" (2003). Tudo isso é "o resultado de uma longa jornada nos modos antigos de movimento e espiritualidade".
Depois de estudar várias obras-primas da caligrafia chinesa, Hwai-min percebeu entre elas um elemento em comum: a energia concentrada com que os caligrafistas "dançavam" durante a escrita. Na busca de uma movimentação para desenhar a cena, os dançarinos tiveram, eles mesmos, aulas semanais de caligrafia, além de exercícios de improvisação, inspirados no percurso da tinta sobre o papel, absorvendo a energia de cada escritor ("Chi").
"Wild Cursive" foi criada a partir das idéias de Kuang Chao, considerada a grande estética da caligrafia cursiva, livre de qualquer forma fixa dos caracteres e aberta ao estado espiritual do escritor.
A trilha musical é feita basicamente por sons naturais: "vento, ondas quebrando em praias de pedregulhos, água da chuva caindo, sinos de igreja, o canto dos pássaros, tudo isso criando um ambiente natural".
Desde a fundação da companhia, em 1973, o diretor buscava uma linguagem própria: "Foram 10 anos de uma jornada de liberação. Nós usamos tudo, da Ópera de Beijing ao balé moderno ocidental. No fim desse primeiro período, decidi que não me importava mais com a técnica em si. Queria um corpo novo, uma nova maneira de se mover. Agora, com a trilogia, posso dizer que existe uma linguagem do Cloud Gate. Ninguém mais se move desta maneira", afirma.
O próximo projeto do coreógrafo retoma as "Seis Suítes para Violoncelo", de Bach (1685-1750), utilizadas em "Água Lunar". "Quero entrar mais fundo no universo das suítes, no meu novo trabalho "Whispers of Flowers" (sussurros das flores)." As influências para criar o espetáculo vêm da observação da vida diária. "Eu me alimento da natureza. De tempos em tempos, posso ouvir o sussurro das árvores, dos pássaros, e das flores chorando para nascer. O que faço é deixá-los falar comigo", explica.


CLOUD GATE
Quando:
de 25, 26 e 27 às 21h e 28 às 18h
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, tel: 56934000)
Quanto: de R$ 40 a R$ 110


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