São Paulo, quinta-feira, 25 de outubro de 2007

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31ª Mostra de SP

Réplica

Cabe à crítica dividir o amor ao cinema

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

Em artigo na Ilustrada de ontem, com o título "Não cabe à crítica querer educar o cinema", Leon Cakoff voltou a insistir na suposta crise da crítica e da cinefilia, provocada, segundo ele, por excesso de "opiniões ou desconsiderações excludentes".
Tal tipo de acusação reproduz o estereótipo que separa os filmes entre "os que a crítica aprova, e o público detesta" e "os que o público adora, e os críticos odeiam". Tal separação, quando radicalizada, leva a supor que, de um lado, os críticos só escrevem para eles e que, de outro, o público não se interessa pela opinião da crítica.
Dois profissionais de enorme prestígio explicam seu campo de trabalho com argumentos que nos ajudam a pensar. O francês Jean Douchet define a crítica como "a arte de amar". O crítico da Folha Inácio Araujo gosta de reiterar que na palavra "crítica" está embutido o termo "crise" e que "criticar" consiste em "pôr em crise".
A "arte de amar" de Douchet explicita o crítico como um amante nada egoísta, pois seu esforço essencial consiste em fazer o objeto de sua paixão ser amado pelo maior número possível de pessoas. O "pôr em crise" de Araujo lembra que os filmes não são blocos fechados e acabados de sentido, e que uma das funções da crítica é abrir as janelas destas construções, deixá-las respirar, serem visitadas e, em alguns casos, abaladas se seus pilares forem frágeis.
Evoco essas duas concepções complementares para lembrar que, a despeito do clichê, a crítica não se satisfaz nem tem sentido quando voltada para si mesma. Trata-se de um esforço de comunicação, publicada em meios de comunicação. É, portanto, como "rampa" que se justifica a existência da crítica.
O que ressaltei, de passagem, no artigo "Política da representação", publicado no caderno Mais!, em 14/10, foi a expansão de esforços críticos espalhados em revistas e sites de internet no Brasil nos últimos anos.
Com eles, se instaurou uma democracia na crítica, antes restrita ao exercício do poder de quem detém postos oficiais na grande mídia. Ao contrário do que Cakoff argumenta, tal democratização vem aos poucos suprimindo o totalitarismo do gosto e abalando os resíduos de dogmatismo, na medida em que se permite publicar argumentos contrastados e/ou opostos, ampliando os horizontes de quem apenas lê e ainda mais de quem escreve.
Meu trabalho nesta Folha, por exemplo, se alimenta semanalmente da leitura dos veículos impressos e dos textos de Cléber Eduardo, Eduardo Valente e Paulo Santos Lima, do site Cinética (www.revistacinetica.com.br), de Daniel Caetano, Luiz Carlos Oliveira Jr. e Ruy Gardnier, do Contracampo (www.contracampo.com.br), de Filipe Furtado e Sérgio Alpendre, da revista "Paisà", de Marcus Mello, da "Teorema", e tantos outros.
Quanto à rejeição de Lelouch por parte da crítica brasileira, ela não consiste num complô elitista por "ele fazer sucesso de público". Não nos encontramos isolados nesta recusa. Era também a opinião de Serge Daney, o mesmo do livro "A Rampa", publicado agora pela Cosac Naify e pela Mostra. Em 1984, ele escreveu no "Libération": "A exaltação ideológico-publicitária da Vida sempre carrega um sabor de derrota de quem vive. Tanatos é que conclui tudo com "é assim a vida!...", não Eros (Eros não conclui, ele deixa rolar). O que alguns filmes celebram -entre nós, os de Lelouch- é a pulsão de morte".


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