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31ª Mostra de SP
Réplica
Cabe à crítica dividir o amor ao cinema
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Em artigo na Ilustrada
de ontem, com o título
"Não cabe à crítica querer educar o cinema", Leon Cakoff voltou a insistir na suposta
crise da crítica e da cinefilia,
provocada, segundo ele, por excesso de "opiniões ou desconsiderações excludentes".
Tal tipo de acusação reproduz o estereótipo que separa os
filmes entre "os que a crítica
aprova, e o público detesta" e
"os que o público adora, e os
críticos odeiam". Tal separação, quando radicalizada, leva a
supor que, de um lado, os críticos só escrevem para eles e que,
de outro, o público não se interessa pela opinião da crítica.
Dois profissionais de enorme
prestígio explicam seu campo
de trabalho com argumentos
que nos ajudam a pensar. O
francês Jean Douchet define a
crítica como "a arte de amar".
O crítico da Folha Inácio Araujo gosta de reiterar que na palavra "crítica" está embutido o
termo "crise" e que "criticar"
consiste em "pôr em crise".
A "arte de amar" de Douchet
explicita o crítico como um
amante nada egoísta, pois seu
esforço essencial consiste em
fazer o objeto de sua paixão ser
amado pelo maior número possível de pessoas. O "pôr em crise" de Araujo lembra que os filmes não são blocos fechados e
acabados de sentido, e que uma
das funções da crítica é abrir as
janelas destas construções, deixá-las respirar, serem visitadas
e, em alguns casos, abaladas se
seus pilares forem frágeis.
Evoco essas duas concepções
complementares para lembrar
que, a despeito do clichê, a crítica não se satisfaz nem tem
sentido quando voltada para si
mesma. Trata-se de um esforço
de comunicação, publicada em
meios de comunicação. É, portanto, como "rampa" que se
justifica a existência da crítica.
O que ressaltei, de passagem,
no artigo "Política da representação", publicado no caderno
Mais!, em 14/10, foi a expansão
de esforços críticos espalhados
em revistas e sites de internet
no Brasil nos últimos anos.
Com eles, se instaurou uma
democracia na crítica, antes
restrita ao exercício do poder
de quem detém postos oficiais
na grande mídia. Ao contrário
do que Cakoff argumenta, tal
democratização vem aos poucos suprimindo o totalitarismo
do gosto e abalando os resíduos
de dogmatismo, na medida em
que se permite publicar argumentos contrastados e/ou
opostos, ampliando os horizontes de quem apenas lê e ainda
mais de quem escreve.
Meu trabalho nesta Folha,
por exemplo, se alimenta semanalmente da leitura dos veículos impressos e dos textos de
Cléber Eduardo, Eduardo Valente e Paulo Santos Lima, do
site Cinética (www.revistacinetica.com.br), de Daniel
Caetano, Luiz Carlos Oliveira
Jr. e Ruy Gardnier, do Contracampo (www.contracampo.com.br), de Filipe Furtado e
Sérgio Alpendre, da revista
"Paisà", de Marcus Mello, da
"Teorema", e tantos outros.
Quanto à rejeição de Lelouch
por parte da crítica brasileira,
ela não consiste num complô
elitista por "ele fazer sucesso
de público". Não nos encontramos isolados nesta recusa. Era
também a opinião de Serge Daney, o mesmo do livro "A Rampa", publicado agora pela Cosac
Naify e pela Mostra. Em 1984,
ele escreveu no "Libération":
"A exaltação ideológico-publicitária da Vida sempre carrega
um sabor de derrota de quem
vive. Tanatos é que conclui tudo com "é assim a vida!...", não
Eros (Eros não conclui, ele deixa rolar). O que alguns filmes
celebram -entre nós, os de Lelouch- é a pulsão de morte".
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