São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2000

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BLACK SOUL BROTHERS
Autor de "Mandamentos Black" fala da onda de música negra no início dos 70, agora resgatada
Soldado, King Combo viu Caetano e Gil presos

DO ENVIADO AO RIO

A seguir, Gerson King Combo lembra que era soldado em Realengo, em 68, quando Caetano e Gil foram presos pelo regime militar. (PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Folha - Vocês eram contra o regime militar?
Gerson -
Eu não era contra nada nem ninguém, vivia até muito feliz. Não era a favor também, mas eu era militar na época. Encontrei Caetano e Gil presos no Realengo, carecas, magrinhos. Eu era pára-quedista lá, essa era a tropa de elite mais brava que havia. Tinha idéia de quem eles eram, era muito esquisito. Mas cabeça de soldado é feita para obedecer, não tem quem é quem, errado ou certo.
Quando comecei a entender certas coisas, vi que o povo não era nada, principalmente os crioulos. Era o momento do "black is beautiful", Elis Regina cantou uma música falando isso. Negro estava na moda, a branca estava querendo comer o negão. Mexia com o negro, mas superficialmente. Socialmente, foi se dar com o black Rio, de botar sapato mais abusado, cabelo já mais saliente, deixar de ver a sociedade com aquele olhar submisso.

Folha - Por que artistas brancos como Elis, Roberto, Erasmo e Marcos Valle foram fazer soul music?
Gerson -
Eles tomaram carona. Roberto Carlos gravava rock, soul, mas tudo lá da matriz. Não dá para dizer que criamos, porque foi a matriz que criou os sons e ritmos. Nós criamos samba. Aliás, aquela música de Martinho da Vila que dizia "ô, compadre, mete o dedo na viola" foi feita para mim. Detesto. Não dá, sambista é muito radical. Eles não admitem você cantar rock. Entrei no Império Serrano para mostrar a eles que sou um bom ritmista.

Folha - "Refavela" (77), de Gilberto Gil, foi uma carona ou um disco importante para o movimento?
Gerson -
Foi importante, mas para o black Bahia. Em São Paulo, houve o segundo Black Brasil, e ali o movimento nunca parou. No Rio, parou completamente. As gravadoras achavam que não havia mais mercado. Vieram a discothèque, os Travoltas da vida, para tapar a tampa do caixão do black Rio. A turma não teve força, não achou mais motivo. Fui morar no limbo. Passei a trabalhar com serviço social na Prefeitura do Rio, pegando mendigo, criança de rua. Ganho uma mixaria, mas é o que me segura desde 88. Sou recompensado quando chego ao palco, ninguém faz idéia desse lado. Em São Paulo, diziam que eu havia morrido. Os rappers começaram a procurar, regravaram "Mandamentos Black". Reapareci em shows deles, tem gente que chora, se ajoelha. Estou no caminho para lançar um CD, falta muito pouco. Estou com gás, preciso aproveitar.

Folha - E Getúlio, não volta?
Getúlio -
Sim. Não morri ainda, não. Há um projeto, não sei se posso falar porque não é meu, é do Leno (da dupla com Lilian). Ele quer lançar um tributozinho, modéstia à parte. Quer reunir Erasmo, Zé Ramalho, Luiz Melodia, Wanderléa, cada um gravando uma música minha. O principal nós temos, que são os artistas. Só não temos quem banque.

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