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Crítica/romance
Mussa mistura gêneros e cria obra original sobre o desejo
MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA
Misto de ensaio e ficção, tratado e peça
imaginativa, ciência
e fábula, a prosa de Alberto
Mussa há alguns anos vem se
firmando como uma das mais
originais criações da literatura
brasileira.
Tome-se o mais recente
exemplo: "O Movimento Pendular". Trata-se de uma seqüência de casos, extraídos das
mais variadas fontes, abrangendo tempos diversos e alinhavados para comprovar uma
tese. Segundo essa proposição,
o triângulo amoroso (e não, como pretenderia Freud, o incesto) seria "o princípio primitivo
elementar que orientou a evolução histórica da espécie humana".
A frase do parágrafo acima se
insere num capítulo sobre vários povos indígenas brasileiros, que, num momento ou no
outro, estão em guerra contra
os aimorés. Esse bando semilendário se encontraria num
estágio de civilização entre a
organização humana e a barbárie animal.
É justamente na observação
de um suposto núcleo familiar
aimoré que se percebe a primazia do triângulo sobre o incesto.
Como diz o narrador: "Talvez
não seja inoportuno lembrar,
para dar um argumento lógico,
que toda repressão ao incesto
-seja qual for sua definição- é
necessariamente uma repressão ao adultério. O inverso, claro, nem sempre é verdadeiro".
Seja num castelo merovíngio,
em 568, seja num mosteiro de
hereges bogomilos, seja na Índia dos guptas, seja em terreiros de macumba do Rio de Janeiro do início do século 20: o
leitor é levado a concluir que,
por mais diferentes que se mostrem os cenários, os períodos
históricos e os personagens, os
triângulos sempre se formam e
sempre determinam a ação.
Há casos até em que o terceiro vértice do triângulo (o perturbador, o sedutor, o intruso;
os outros dois seriam: a vítima
da traição e o traidor) não existe em termos físicos ou só se estabelece num plano simbólico.
Índia
O enredo indiano fala de um
guerreiro da casta dos xátrias.
Ele se apaixona por uma jovem
vidente, do grupo dos intocáveis. O xátria lhe pede que adivinhe em quem ele está pensando, e ela, que até então nunca errara um vaticínio, descreve uma mulher bem diferente
de si. A segunda mulher se engendrara (pois o militar só tinha a pitonisa em mente) no
terreno insondável da interdição que pesa sobre o casal: um
homem de casta nobre não poderia desejar uma intocável.
A história transcorrida em
Rapa Nui versa sobre um casal
de irmãos, abandonados na ilha
por feiticeiros polinésios. Os
dois crescem quase sem contato humano (exceto quando
eram menores).
Nessa história, o elemento
perturbador é um pingüim que
topa por acaso naquelas costas
tropicais. Como a serpente bíblica, ele rompe a harmonia do
paraíso e sugere a hipótese do
sexo.
Alinhavadas de modo solto,
essas narrativas não teriam
unidade não fosse a teoria que
devem provar e, claro, pela figura do narrador. É ele quem
pretende descobrir a unidade
na diversidade, a harmonia
(matemática) no caos (humano). Uma das linhas não menos
interessantes de reparo reside
nessa dicotomia entre as situações descritas -grávidas de detalhes mórbidos, cruentos, líricos, misteriosos- e um douto
erudito que pretende reduzi-las à rigidez da fórmula.
O MOVIMENTO PENDULAR
Autor: Alberto Mussa
Editora: Record
Quanto: R$ 36,90 (240 págs.)
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