São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010

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"Boom" na Roosevelt criou "supermercado" de peças

Há 24 espetáculos em cartaz no local hoje; quantidade não é problema para críticos

Reocupação começou em 95, mas Satyros se distinguiram ao levar personagens da praça para o centro da cena

Lenise Pinheiro/Folhapress
Cena da peça "Hipóteses para o Amor e a Verdade"

LUCAS NEVES
DE SÃO PAULO

A 11ª edição das Satyrianas, maratona de peças, performances e shows que agita a praça Roosevelt, no centro de São Paulo, começa hoje, em novo endereço.
A festa migra para o parque Augusta (esquina da Augusta com a Caio Prado) por um bom motivo: depois de anos de promessas, começou a revitalização urbanística do endereço que o teatro transformou, desde 2000, em polo de cultura da cidade.
Depois de reunir a boemia dos anos 60 e 70 em torno de bares, restaurantes e um cinema de arte, a praça amargou um limbo de duas décadas. Virou ponto de prostituição e tráfico. A violência veio a reboque. Em 1995, Bosco Brasil instalou ali o seu Teatro de Câmara, iniciando a reocupação. Pouco depois, a casa mudou de dono e se fez Studio 184. Também abriu as portas o Teatro do Ator.
O que acontece com a chegada da companhia Os Satyros, em 2000, é uma "enturmação com o povo da praça", nas palavras da professora e crítica de teatro Maria Lúcia Candeias. "Quem está do outro lado da praça é convidado a entrar. A vida e os personagens do entorno vão à cena", acrescenta a jornalista e dramaturga Marici Salomão.

VIOLÊNCIA
O público começou então a rever a Roosevelt como destino cultural. O assentamento artístico, porém, não foi seguido por um mutirão urbanístico. A marquise de concreto da década de 60 continuava a dificultar a circulação livre e segura pela praça -há registros de roubos e assaltos, e o dramaturgo Mário Bortolotto foi baleado na porta de um teatro em 2009.
"Não é o fato de os teatros organizados criarem um movimento de ocupação das calçadas que vai acabar com a violência. Quem vai ali à noite sabe onde está se metendo", afirma Celso Curi, produtor, crítico e editor do guia "OFF". "Mas sem o teatro, seria muito pior."
O crítico e pesquisador teatral Sebastião Milaré concorda. "O miolo da praça continua sendo um desastre. O poder público usou o movimento teatral para encostar o corpo." Para Marici, "o teatro na praça propõe soluções e saídas, mas não se está dizendo que a praça está salva".
Já Ivam Cabral, cofundador d'Os Satyros, diz que "gosta de pensar que o teatro é mais poderoso" do que o poder público. "Não recuperamos uma ideia territorial. Quando falamos de teatro na praça, é de uma calçada. Ninguém atravessou a praça."
Nos seis teatros da Roosevelt, a oferta é ampla: há 24 peças em cartaz, de segunda a domingo. É quase um supermercado de artes cênicas. "Isso reflete as condições nas quais se faz teatro hoje em São Paulo. Faltam espaços. É uma generosidade dos grupos proprietários, mas também é uma forma de financiar a manutenção de seus espaços. O exemplo deveria servir para teatros da prefeitura", avalia Milaré.
"Sou a favor da quantidade para se chegar à qualidade", afirma Marici, que define a cena da Roosevelt como "praça portuária, em que grupos jovens daqui e de fora podem ancorar". "Não se deve menosprezar a capacidade do público de escolher."
Também não se deve esperar uma estrutura de "teatrão", na visão de Maria Lúcia. "Não é lugar para cenários de [Charles] Möeller e [Claudio] Botelho [que fazem os grandes musicais no país]. O estilo da praça é minimalista, as produções não podem ser caras. A bilheteria não paga os custos de produção."
O que não significa empobrecimento do resultado, conclui Curi. "Se o olhar [do criador] for para interpretação e texto, ele se safa."


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