DA REPORTAGEM LOCAL

Não só os que contam os contos aumentam os pontos na série de livros "Os Clássicos", da Ediouro. Responsáveis pelas apresentações dos volumes "Contos Russos" e "Contos Ingleses", Rubem Braga e Vinicius de Moraes deixaram impressos na abertura desses livros valiosos testemunhos dos tempos cheios de som e fúria da Segunda Guerra Mundial.
Na introdução do volume dedicado aos dostoiévskis, tolstóis e puchkins, Braga diz que a série de coletâneas de contos que teve a idéia de organizar haveria de começar pelos russos.
"À-toa e pálida que seja, esta é a nossa homenagem àqueles que estão afogando no próprio sangue, e no sangue dos alemães, o pesadelo de Hitler", escreve o cronista capixaba, que depois testemunharia in loco algumas dessas cenas sangrentas, como correspondente de guerra para o extinto jornal "Diário Carioca".
O espírito do tempo também transparece na apresentação de Vinicius de Moraes à compilação britânica. No texto "Esses Ingleses..." relata as toneladas de bombas que caíam sobre Londres, o "martírio do povo confinado em sua própria tenacidade", fala da "alma inglesa que não conhece o espírito da derrota".
Vinicius, que, sim, fala das mulheres, com um "a mulher inglesa servia, com seu amor secreto e seu heroísmo sem imaginação", conclui com a idéia de que o "milagre da resistência inglesa" poderia ser explicado pelo apego do inglês a "algo muito especial na ordem do mundo: a vida inglesa".
O engajamento dos escritores contra a guerra transparece até na voz silenciosa de quem não traduziu, apresentou ou escreveu. Graciliano Ramos, que teve um de seus livros publicado inicialmente também em 1944 pela mesma editora Leitura (o volume "Histórias de Alexandre", rebatizado "Alexandre e Outros Heróis"), assina a "supervisão" do volume russo.
Na introdução do volume, Rubem Braga deixa exposta a mobilização, o "mutirão", dos escritores. "Sou eu o autor da antologia, mas não espero disso a menor glória literária. É que fiz sobretudo um trabalho de cooperação. Pedi opinião a todo o mundo."
E "todo mundo" traduziu também: fossem jovens e pouco conhecidos, como Décio de Almeida Prado ou Aurélio Buarque de Holanda (mais tarde o grande crítico teatral e o grande dicionarista do país), fossem autores consagrados na época, como José Lins do Rego ou Monteiro Lobato.
Graças ao volume de colaboradores das três antologias, mais de 60 pessoas, a reedição dos livros demorou mais de um ano para ser preparada. Durante o processo, a coletânea acabou com uma baixa importante. "O espólio de Hemingway não autorizou a reedição do conto "Killers". Mataram os matadores", brinca o editor da série, Paulo Roberto Pires.
(CASSIANO ELEK MACHADO)