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POLÊMICA
Advogado que chefiou ataque a `Roda Viva' em 68 obtém liminar contra Ruth Escobar, mas diz que comando não voltou
Ex-líder do CCC emperra venda de teatro
ARMANDO ANTENORE
da Reportagem Local
Uma ação popular movida pelo
ex-líder do extinto CCC (Com ando de Caça aos Comunistas), o advogado João Marcos Monteiro Flaquer, está emperrando a recente
venda do teatro Ruth Escobar.
A Associação dos Produtores de
Espetáculos Teatrais do Estado de
São Paulo (Apetesp) adquiriu o
imóvel, no centro da cidade, em
setembro de 96 por R$ 5,5 milhões.
Um mês depois, pagou R$ 2 milhões à antiga proprietária -a Dinâmica, empresa da atriz e ex-deputada estadual Ruth Escobar.
Conseguiu o dinheiro junto à Telesp, que o cedeu sob a forma de
patrocínio cultural e poderá abatê-lo do Imposto de Renda, usufruindo da Lei Rouanet.
O pagamento dos outros R$ 3,5
milhões se dará em 12 parcelas.
No último dia 14, a Justiça decidiu bloquear o negócio. Deferiu liminar que obriga a Apetesp a efetuar os futuros pagamentos em
juízo, até que se esclareça a regularidade da compra.
A determinação -que partiu de
Mairan Gonçalves Maia Júnior,
juiz da 17¦ Vara Federal de São
Paulo- acolheu ação popular
promovida por três advogados.
Um deles, João Flaquer, chefiou
o CCC nos anos 60. O grupo paramilitar, que recebia treinamento
do Exército, se opunha à esquerda
e "à subversão".
Em julho de 1968, cometeu seu
ato mais ruidoso. Espancou um
contra-regra e 19 atores da peça
"Roda Viva", que tinha texto de
Chico Buarque e direção de José
Celso Martinez Corrêa.
A agressão aconteceu justamente
no teatro Ruth Escobar, onde o espetáculo estava em cartaz. Cento e
dez homens -70 civis e 40 militares, todos armados- participaram do quebra-quebra.
A confusão durou rápidos três
minutos. Os militantes do CCC esperaram a sessão terminar e o público sair. Só então apagaram as luzes e invadiram os camarins à caça
do elenco, que incluía Rodrigo
Santiago e Marília Pêra.
Aproveitaram para espatifar cadeiras, cenário e equipamentos.
Ruth Escobar, produtora da peça,
não presenciou a pancadaria.
No dia 17 de julho de 1993, Flaquer revelou à Folha que planejou
e liderou o ataque. Classificou-o de
"ato patriótico".
"Foi um gesto cultural", disse.
"Queríamos realizar uma ação de
propaganda para chamar a atenção das autoridades sobre a iminência da luta armada, que visava
à instauração de uma ditadura
marxista no país."
O alvo não poderia ser melhor:
"Roda Viva" procurava afirmar o
poder da arte diante da repressão.
À época do ataque, Flaquer completara 25 anos. Hoje, tem 53 -e
um escritório na avenida Paulista.
O advogado moveu a ação popular em parceria com os colegas Abdiel Reis Dourado e Roberto Beneduce de Faria Coimbra. Os três
condenam a participação da Telesp na venda do teatro.
Sustentam que a companhia telefônica, sociedade anônima controlada pelo Estado, fez "cortesia
com chapéu alheio, à custa de milhares de pequenos poupadores".
Defendem, ainda, que "a operação cheira a pagamento de favores
políticos passados", numa alusão
à velha amizade entre Ruth Escobar, o presidente Fernando Henrique Cardoso e o ministro das Comunicações, Sérgio Motta.
Quando acolheu a ação popular,
o juiz da 17¦ Vara destacou que há
"fortes indícios de superfaturamento" no valor do teatro e que o
contrato com a Telesp firmou-se
sem licitação, "em desrespeito ao
comando constitucional".
Para o magistrado, existem "flagrantes indícios de malversação do
dinheiro público".
Por causa da liminar, a Apetesp
terá de depositar as futuras parcelas do pagamento em uma conta
da Caixa Econômica Federal, que
estará à disposição da Justiça.
Os depósitos só poderão cessar
quando totalizarem o montante
gasto pela Telesp, acrescido de juros e correção monetária.
A retenção fica valendo até que
se julgue o mérito da ação, o que
levará no mínimo dez meses. Se a
Justiça concluir que a venda do
teatro esconde irregularidades, o
dinheiro retorna à Telesp.
"Não tenho nada contra dona
Ruth Escobar. A invasão é coisa do
passado. Faz parte de uma conjuntura política totalmente extemporânea", disse Flaquer ontem.
O advogado ressaltou que "não
confunde atitudes profissionais
com ideologias ultrapassadas".
"Ninguém pense que o CCC voltou", prosseguiu. "Movi a ação
popular por dever de cidadania."
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