São Paulo, domingo, 26 de fevereiro de 2006

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CRÍTICA/ 'DE CRÁPULA A HERÓI'

Longa reúne gênios italianos

TIAGO MATA MACHADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Antes de se consagrar como diretor no pós-guerra, autor de clássicos do neo-realismo como "Ladrões de Bicicletas", Vittorio de Sica foi um dos atores mais populares do cinema fascista italiano, sempre no papel do sedutor barato. Daí a auto-ironia de seu personagem, um velho conquistador em apuros, em "De Crápula a Herói" (1959).
Quando o filme começa, ele já está atolado em sua arte de simulador. Na Itália da Segunda Guerra, é como se o grande teatro guerreiro tivesse feito esse velho sedutor perder o senso das proporções de seu pequeno teatro cotidiano. Mas essa mesma guerra que o transformou em monstro pode convertê-lo em herói.
O filme é mais uma bela história de conversão da obra de Roberto Rossellini, ele próprio um diretor que debutou com o fascismo, dirigindo filmes de propaganda, antes de se converter à Resistência durante a guerra e forjar, com pedaços de películas traficadas, a nova imagem da Itália em "Roma, Cidade Aberta".
O filme reúne dois gênios do cinema italiano num irônico mea-culpa. De Sica relê seu velho papel de sedutor sob a ótica do colaboracionismo. Impostor, ele se faz passar por um coronel colaboracionista para ludibriar parentes de prisioneiros do regime. A ironia está no fato de que esse falsário só precisará levar até o fim seu senso de teatralidade para se converter em herói -uma conversão pela contradição, ao estilo dos heróis brechtianos.
Quando leva seu personagem a julgamento, Rossellini inverte o processo para colocar o fascismo, um regime criminoso especializado em aliciar falsários, no banco dos réus. Coagido pelos alemães a se fazer passar por um líder da Resistência, o protagonista vai encarnando progressivamente seu novo papel. De forma cada vez mais teatral, o crápula vai se convertendo em herói. Eis um personagem que só o cinema do pós-guerra poderia conceber. Eis aqui uma lição sobre a verdadeira natureza do heroísmo que coube a todo o cinema do pós-guerra.


De Crápula a Herói
    
Diretor:
Roberto Rossellini
Distribuidora: Versátil (R$ 37,50, em média)


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