|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA/ 'DE CRÁPULA A HERÓI'
Longa reúne gênios italianos
TIAGO MATA MACHADO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Antes de se consagrar como
diretor no pós-guerra, autor
de clássicos do neo-realismo como "Ladrões de Bicicletas", Vittorio de Sica foi um dos atores mais
populares do cinema fascista italiano, sempre no papel do sedutor
barato. Daí a auto-ironia de seu
personagem, um velho conquistador em apuros, em "De Crápula
a Herói" (1959).
Quando o filme começa, ele já
está atolado em sua arte de simulador. Na Itália da Segunda Guerra, é como se o grande teatro
guerreiro tivesse feito esse velho
sedutor perder o senso das proporções de seu pequeno teatro cotidiano. Mas essa mesma guerra
que o transformou em monstro
pode convertê-lo em herói.
O filme é mais uma bela história
de conversão da obra de Roberto
Rossellini, ele próprio um diretor
que debutou com o fascismo, dirigindo filmes de propaganda, antes de se converter à Resistência
durante a guerra e forjar, com pedaços de películas traficadas, a
nova imagem da Itália em "Roma,
Cidade Aberta".
O filme reúne dois gênios do cinema italiano num irônico mea-culpa. De Sica relê seu velho papel
de sedutor sob a ótica do colaboracionismo. Impostor, ele se faz
passar por um coronel colaboracionista para ludibriar parentes
de prisioneiros do regime. A ironia está no fato de que esse falsário só precisará levar até o fim seu
senso de teatralidade para se converter em herói -uma conversão
pela contradição, ao estilo dos heróis brechtianos.
Quando leva seu personagem a
julgamento, Rossellini inverte o
processo para colocar o fascismo,
um regime criminoso especializado em aliciar falsários, no banco
dos réus. Coagido pelos alemães a
se fazer passar por um líder da Resistência, o protagonista vai encarnando progressivamente seu
novo papel. De forma cada vez
mais teatral, o crápula vai se convertendo em herói. Eis um personagem que só o cinema do pós-guerra poderia conceber. Eis aqui
uma lição sobre a verdadeira natureza do heroísmo que coube a
todo o cinema do pós-guerra.
De Crápula a Herói
Diretor: Roberto Rossellini
Distribuidora: Versátil (R$ 37,50, em
média)
Texto Anterior: DVDs - Drama: Feito em seis dias, clássico de Ulmer constrói labirinto Próximo Texto: Crítica/'Chaga de fogo': Wyler vê perversão nos EUA Índice
|