São Paulo, quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

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"Não tenho essa ambição de artista"

Assistentes de Nuno Ramos, Tomie Ohtake e Adriana Varejão revelam como ajudam a fazer as obras que não vão assinar

"Decidi ser um técnico e me satisfaço só com chegar ao resultado", afirma Cláudio Vasques, que ajuda a fazer gravuras no ateliê de Ohtake

João Miguel Jr./ TV Globo
Tomie Ohtake e seus assistentes Vera Fujisaki, Jorge Utsunomiya e Cláudio Vasques em seu ateliê em São Paulo

SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL

Dentro do galpão, grandes fornos multiplicam o calor do verão. É numa fundição de ferro na zona leste de São Paulo que Rômulo Fróes, assistente do artista Nuno Ramos, reveste de sabão e fibra de vibro um barco em tamanho real.
"A primeira coisa a fazer era arrumar um barco", conta Fróes, 37, gotas de suor escorrendo da testa. "Depois fui atrás de sabão e de quem sabe mexer com fibra de vidro."
Mas Fróes é "o cara dos contatos", então não foi tão difícil. Em dez anos, já teve de congelar cachorros, coletar restos de metal e pelúcia e até conseguir um urubu vivo para fazer parte de uma obra -tarefas normais para quem se dedica aos bastidores das grandes obras de arte.
Enquanto Damien Hirst, Jeff Koons e Terence Koh têm no exterior ateliês que viraram linhas de montagem, com mais de 50 assistentes e trabalho em escala industrial, artistas brasileiros, num contexto mais intimista, também contratam assistentes para dar uma força.
No ateliê de Tomie Ohtake, dois arquitetos, um pintor e um gravurista cuidam da produção da artista. Adriana Varejão, no Rio, tem uma assistente, mas costuma contratar um batalhão para as obras maiores.
"A maioria dos assistentes são artistas que queriam conhecer outro artista para ver como é", conta Fróes. "Mas o meu caso é mais raro: eu era artista e deixei de fazer arte para trabalhar com o Nuno."
Ao contrário desses jovens que trocam o patrão pela carreira solo, Fróes não se arrepende. "Ocupei esse lugar com a música", diz ele, que lança seu terceiro disco no mês que vem. "Eu continuo em contato com a arte, mas essa coisa autoral é a música que me supre."

Sem ambição
De fato, os não-artistas têm menos conflitos. "A minha vantagem é que eu não sou artista", diz Cláudio Vasques, 59, que há 20 anos imprime as gravuras de Tomie Ohtake e já trabalhou com Volpi, Arcângelo Ianelli e Ademir Martins. "Decidi ser um técnico e me satisfaço só com chegar ao resultado, não tenho essa ambição de artista."
Mesmo aos 95, Ohtake controla de perto o processo de produção. Faz questão de moldar à mão o primeiro esboço de suas esculturas em alumínio, depois entrega a peça a arquitetos que trabalham para ela.
"A gente sabe onde começa o nosso trabalho e onde acaba a incumbência da Tomie", diz Jorge Utsunomiya, 56, que ao lado da mulher, Vera Fujisaki, ajuda a projetar as esculturas da artista. "A última escultura dela tinha 85 toneladas, mas nasce muito pequena, então a gente oferece possibilidades."
Ohtake diz que pensa muito antes de fazer o trabalho, depois só pergunta se é possível. "Eles têm técnica, eu não tenho nenhuma, mas tenho que passar por cima de tudo", admite.
"Eu poderia fazer qualquer escultura para qualquer pessoa, sou um grande fazedor de esculturas", brinca Utsunomiya. "Quem sabe a gente não fica doente e vira artista?"
No Rio, Adriana Varejão conhece o outro lado dessa história. Ela teve como assistente Thiago Rocha Pitta, que também trabalhou com Tunga e hoje é um nome valorizado da arte contemporânea no país.
"Não existe espaço para o assistente criar dentro da minha obra", diz Varejão, 45. "Eu só passo para os outros o trabalho que eu posso controlar."
Sua ajudante hoje, Flávia Metzler, é outra artista plástica em início de carreira. "A gente troca ideias sobre coisas, cores", diz Varejão. "A Adriana é uma referência importante para mim, mas não influencia meu trabalho, que não tem a ver com o dela", diz Metzler, 34.
Na outra ponta do processo, Maurício Pereira, 44, que chegou a assinar uma obra com o artista que ajudou, é uma espécie de faz-tudo para vários nomes, entre eles Cildo Meireles, Waltercio Caldas e Tunga. É do ateliê dele em São Paulo que saem muitas das soluções para as obras mais complexas.
"A maior qualidade para alguém dessa área é conseguir soluções técnicas, mas sabendo o que o artista quer", diz Pereira. Para satisfazer alguns desejos, ele já saiu à caça de crinas de cavalo e bolas de bilhar, usadas numa obra de Tunga, brigou com engenheiros em Paris para fazer uma instalação no Louvre e suspendeu uma estrutura de ferro de 23 toneladas do teto de um museu paulistano.
"Eu faço uma consultoria, uma parceria, mas nunca tive vontade de ser artista", diz ele. "Meu prestígio entre os artistas já é suficiente para o meu ego."


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