São Paulo, sábado, 26 de fevereiro de 2011

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CRÍTICA ENSAIOS

Coletânea de críticas do Nobel J.M. Coetzee frustra expectativas

"Mecanismos Internos" tem estrutura repetitiva e deixa pouco espaço para análises mais ambiciosas

FLÁVIO MOURA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Num encontro literário na Austrália, no ano passado, coube a J.M. Coetzee apresentar o jornalista inglês Geoff Dyer, convidado do evento.
Numa tirada de improviso, Dyer afirmou que sua autora favorita é Nadine Gordimer, conterrânea e rival de Coetzee. A plateia respondeu às gargalhadas -Coetzee, impassível, não moveu nem sequer a sobrancelha.
É esse Coetzee impermeável ao humor que aparece em "Mecanismos Internos: Ensaios sobre Literatura (2000-2005)".
Não há espaço para distensão nesses textos, na maior parte escritos para a "New York Review of Books".
Se na obra ficcional de Coetzee essa austeridade é capaz de tensionar a narrativa ao limite, aqui ela se confunde com freio de mão puxado e sisudez.
A estrutura é repetitiva. Os ensaios trazem longos resumos das obras literárias, trechos biográficos e considerações minuciosas sobre as traduções, mas deixam pouco espaço para ponderações críticas ambiciosas.
É assim nos textos sobre Italo Svevo (1861-1928), Robert Walser (1878-1956) e Robert Musil (1880-1942). Funcionam como introdução, mas não são mais que isso.
Também é pouco produtivo buscar pistas para a obra literária de Coetzee. Figuram na lista Graham Greene (1904-1991) e Gabriel García Márquez, ambos distantes de seu universo ficcional.
Quando os autores são próximos, o resultado é frustrante: Beckett (1906-1989), de quem Coetzee herda não só a voz literária, mas a gélida conduta pessoal, é objeto do menor texto: cinco páginas, que dizem pouco da relação do autor irlandês com seu mais celebrado epígono.
O alemão W.G. Sebald (1944-2001), com quem Coetzee partilha o gosto por embaralhar ficção e não ficção, é apresentado de forma dispersa e a partir de romances menos expressivos.
Nos melhores momentos do livro, Coetzee abandona o didatismo e se põe no lugar do autor que analisa.
Nesses trechos, a experiência do ficcionista tarimbado aparece e revela dilemas do ofício de escritor que os críticos em geral ignoram. É o caso do texto sobre Philip Roth. Há ali excelentes parágrafos sobre a relação entre o autor real e o personagem Philip Roth de "O Complô contra a América".
Merecem menção os textos sobre Faulkner (1897-1962) e Sándor Márai (1900-1989). Coetzee faz pouco dos biógrafos que forçam a mão na psicanálise para entender o romancista norte-americano.
Há ainda trechos cafonas, que mesmo eventuais deslizes na tradução para o português não explicam. A certa altura, Coetzee descreve contos em que "nuances aquareladas de sentimento são esquadrinhadas com a mais ligeira das ironias e a prosa responde a lufadas ocasionais de sentimento com a sensibilidade das asas de uma borboleta".
A publicação do livro é tardia no Brasil. A edição em inglês saiu em 2007. No site da "New York Review of Books", é possível ler ao menos cinco ensaios produzidos por Coetzee desde então. Um deles, sobre Beckett, é bem mais alentado que o incluído neste livro. A ver na próxima coletânea.

FLÁVIO MOURA é jornalista e mestre em sociologia pela USP

MECANISMOS INTERNOS

AUTOR J.M. Coetzee
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Sergio Flaksman
QUANTO R$ 49 (360 págs.)
AVALIAÇÃO regular


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