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A noite dos desesperados
John D. McHugh - 17.out.2004/Associated Presse
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Esculturas de esqueletos simbolizam mortes na Guerra do Iraque em protesto no centro de Londres; abaixo o escritor Nick Hornby |
Em entrevista exclusiva à Folha, o escritor Nick Hornby fala sobre novo livro
ÉRICA FRAGA
DE LONDRES
Posteridade não é exatamente
motivo de preocupação para um
dos escritores mais badalados dos
últimos tempos. O britânico Nick
Hornby, 47, defende a teoria de
que, antes de qualquer pretensão
em relação a um futuro distante, é
preciso ser lido e admirado no
presente. E, no caso dele, isso não
tem faltado. Autor de best-sellers
como "Alta Fidelidade" e "Um
Grande Garoto", Hornby -que
diz escrever livros porque não
consegue compor música- acaba de concluir mais uma ficção.
"A Long Way Down" (a longa
queda), título do novo livro, conta
a história de quatro personagens
com idades, histórias de vida e
personalidades bem diferentes
que, por acaso, se encontram no
terraço de um prédio na noite de
Ano Novo com um propósito comum: cometer suicídio.
O encontro inesperado acaba
gerando tamanha confusão que
os quatro decidem suspender
temporariamente seus planos.
Para quem leu as outras novelas
de Hornby, muita coisa em "A
Long Way Down" soará familiar.
Os personagens meio desesperados e com a vida bagunçada estão
lá. O senso de humor e as referências à música, que viraram marcas
registradas dele, também.
Apesar disso, o tom do novo livro é um pouco diferente.
Hornby, que é formado em inglês
pela universidade Cambridge, diz
ter se dado conta de que escreve
algo mais próximo do que chama
de "monólogo dramático" do que
de ficção de forma mais ampla.
"A Long Way Down" está para
ser lançado no Reino Unido em
breve e será publicado no Brasil
em dezembro deste ano pela Rocco, que também editou "31 Canções", livro no qual Hornby fala
sobre músicas que o marcaram.
Leia a seguir a entrevista exclusiva que Hornby concedeu à Folha.
Folha- De onde surgiu a idéia para escrever "A Long Way Down?"
Nick Hornby - Eram duas informações que se juntaram ao acaso.
Uma era que, em certas noites do
ano, as taxas de suicídios são mais
altas que em outras. Há também o
fato de que as pessoas sempre se
matam nos mesmos locais. Mas,
na verdade, o que contou mais é
que algo assim me dava a oportunidade de fazer várias coisas que
me interessavam.
Folha - Os personagens desse livro novo são parecidos com os dos
outros, no sentido de que estão desesperados ou perdidos. Por que o
senhor sempre escolhe esse tipo?
Hornby - Escrevo livros porque
não posso escrever música e não é
tão importante sobre o que é o livro, mas os tons e as notas que os
personagens e as situações me
permitem atingir. Acho que esses
personagens me permitem fazer o
tipo de música em que estou interessado. É verdade que eles tendem a ser um pouco perdidos e
solitários mas também eles abrem
espaço para o humor.
Folha - Em "31 Canções", o senhor fala que o fato de que a música pop pode ser descartada é um sinal de maturidade. O senhor também já disse que não vê problemas
em que seu trabalho seja considerado datado por conta das muitas
referências atuais que usa. É possível fazer uma comparação entre a
música pop e o seu estilo literário?
Hornby - Acho que há muitas
coisas a dizer sobre isso. Uma delas é que a única forma de ser lido
no futuro é ser lido no presente.
Há muitos poucos autores que
não foram lidos enquanto estavam vivos e que sobreviveram até
hoje. Então, eu não me importo
com uma analogia com a música
pop, definitivamente, e claro que
o que você espera é ser os Beatles.
Ainda que a música deles parecesse descartável naquele tempo, as
pessoas acabaram continuando a
ouvi-la no futuro, mas essa não
era, absolutamente, a intenção.
Eu tenho pensado muito nisso
recentemente. Não sei o porquê.
Acho que cultura é a expressão de
uma comunidade e você não pode forçar uma comunidade a absorver uma cultura que não lhe
interessa mais e nós tentamos fazer isso o tempo todo. Para criar
personagens que pareçam reais,
eu quero que as pessoas saibam o
que elas vêem na televisão, que
música ouvem. E essas coisas, claro, significam que o livro se torna
datado, possivelmente. Mas me
parece que quanto mais verdadeiro você possa ser sobre sua própria época, maiores as chances
que você tem de sobreviver.
Folha - Por que livros como "Alta
Fidelidade" fizeram tanto sucesso?
Hornby - Essas são questões difíceis para autores responderem.
Acho que há algumas coisas em
"Alta Fidelidade", o tipo de indecisão e a falta de direção de algumas pessoas modernas em determinada idade. Não tenho certeza
de já ter lido muita coisa que falasse sobre esse tipo de personagem
porque eles tendem a ser negligenciados em ficção. Eles são bastante comuns, não são muito heróicos. Há a passividade, o fato de
não ser capaz de assumir o controle de sua própria vida. E eu suponho que, tradicionalmente, em
ficção você tem de ter pessoas que
consigam ter controle de suas vidas para poderem fazer as coisas
acontecerem na história. Minha
impressão é que muitas pessoas
não conseguiam acreditar que alguém havia escrito um livro sobre
alguém como elas.
Folha - "A Long Way Down" tem
um tom um pouco mais intenso,
talvez mais sério, do que seus outros livros?
Hornby - Acho que mudei um
pouco o jeito como escrevo porque reconheci algo sobre meu estilo que não tinha visto antes.
Quando escrevi a história para
"Falando com o Anjo" (compilação que Hornby organizou para
levantar fundos para a escola do
filho dele que é autista), bem, eu
realmente gostei de escrever a história para aquele livro e veio fácil.
A tarefa que dei a mim e aos outros autores era não escrever uma
história, mas um monólogo.
Nem estou muito certo, na prática, de quais são as diferenças.
Mas depois, quando parei para
pensar em como aquilo tinha saído tão facilmente, achei que era
aquela coisa de escrever com uma
voz interior. Depois disso, comecei a pensar que o que faço é menos ficção e mais monólogos dramáticos. Isso me permitiu, eu
acho, conseguir detalhar um pouco mais essas vozes do que antes.
E eu tive de imaginar mais a vida
passada deles [os personagens]
do que costumava fazer.
Também acho que, se você escreve livros sobre pessoas comuns na vida contemporânea, a
ambição é tentar se aprofundar
mais e mais. Não quero dizer com
isso se tornar mais sério. Mas melhor. E fazer o material mais rico.
Quero que as partes engraçadas
sejam mais engraçadas e as tristes
mais tristes. E a cada livro sou
mais ambicioso nesse sentido.
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