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CRÍTICA
Grupo Espanca justifica o Fringe com "Por Elise"
SERGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
Uma moça, triste por ter que
sacrificar seu cachorro, se
apaixona pelo lixeiro, que vive em
busca do pai que o abandonou.
Enquanto isso, o homem da carrocinha sonha com o Japão. Descrita assim, "Por Elise" parece
mais um dos besteiróis que infestam o Fringe. Mas não: a delicadeza da fábula de Grace Passô, como
um presente que Belo Horizonte
trouxe para compartilhar com o
festival, é uma dessas revelações
que de tempos em tempos justificam todo o Festival de Curitiba.
Moça danada essa Grace. Do
palco controla à perfeição seu
personagem, uma contadora de
histórias negra de olhos grandes,
que, temperando ingenuidade
com uma sabedoria ancestral,
dispara frases que vão se desdobrando ao longo da fábula em
sentidos cada vez mais profundos. Logo depois, como se não
bastasse, dirige-se aos colegas atores com uma lucidez hamletiana:
a emoção exige técnica, recomenda, diretora que sabe exatamente
o que quer e como conseguir.
Como nos haicais, o humor é
sempre o ponto de partida. "Cuidado com o que planta", diz ela,
por ter plantado um pé de abacate
em seu quintal e, por isso, ter que
viver sempre sob a ameaça de levar um deles na cabeça. Mas essa
eventualidade -e realmente
caem abacates em cena, dando a
passagem do tempo em forma de
piada recorrente-, referida como "uma pancada doce", logo se
constitui como a metáfora central
da peça, dando nome ao grupo.
Pancada é toda a dor repentina
que, interrompendo o cotidiano,
arde a ausência de Deus. Doce é o
encontro com o outro, transpondo seus muros, que possibilita
que o tempo volte a correr.
A peça vai assim cruzando "casos" do cotidiano com profundezas vertiginosas, orgulho de Minas desde Guimarães Rosa. "Os
cachorros latem o que ouvem nas
casas", propõe. A aprofundada
técnica vocal e a grande entrega
dos atores concretizam o princípio à perfeição.
Samira Ávila, a moça perdida na
dor, sabe ser comovente e engraçada. Gustavo Bones, o lixeiro, herói intocável e puro, é apaixonante, e Paulo Azevedo é forte como o
caçador de cachorros e de Deus.
Marcelo Castro é inesquecível em
um papel que poucos fazem como ele. O figurino de Marco Paulo
Rolla aponta as metáforas sem
cair no hermético.
Não é só um grande texto, portanto, mas um texto que dialoga
com a criação de todos, atores e
técnicos, à exemplo da Cia. Livre
de Cybele Forjaz, que marcou
presença neste festival com o importante "Arena Conta Danton",
e do sempre lembrado "Hysteria", do Grupo XIX. O Grupo Espanca! se insere nessa nova geração que, amparado por políticas
culturais essenciais que privilegiam o processo, e não o produto,
reinventam um teatro sem gênios
nem fórmulas fáceis.
Pena apenas que a luz de Leonardo Pavanello foi prejudicada
pelas mesquinhas condições do
Fringe. Mas não importa: seja onde for, haverá sempre de frutificar
o quintal de Grace Passô.
Por Elise
Quando: hoje, às 22h, no Teatro José
Maria Santos (r. Treze de Maio, 655)
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