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TELEVISÃO
Lima Duarte, que faz propaganda para ração e cosméticos na novela, afirma que recebe pouco e não se sente bem
Ator critica merchandising de "Belíssima"
DO CRÍTICO DA FOLHA
DA REPORTAGEM LOCAL
Leia abaixo a continuação da
entrevista de Lima Duarte.
ÚLTIMA NOVELA
Não quero mais fazer novela. Pretendia que "Belíssima" fosse a última. Mas já queria que a anterior
fosse a última, e vieram com artilharia pesada, Irene Ravache, Fernanda Montenegro. Mas é duro
fazer novela. Está cada vez mais
cansativo. Estão escrevendo a
mesma história há 40 anos. Faço o
mesmo personagem, e o público
chora a mesma lágrima, no mesmo horário. Mas o povo não deixa
mudar. O povo não aceitou "Bang
Bang". Colocaram a moça [Fernanda Lima], disseram que era
bonita. Mas a vestiram demais. Aí
teve de ser atriz e ficou ruim para
ela. Se a novela vai mal, a primeira
coisa é tirar a roupa da mocinha.
A segunda é "Quem matou?".
MERCHANDISING
Faço esse do Whiskas [ração para
gato]. Mas pagam muito mal ao
ator, é mixaria. Faço um também
com a Irene Ravache, aquele de
pele. Ah é, Natura. É uma porcaria
proporcionalmente ao que ganho. Não gosto, é meio aviltante,
não? Contraria seu personagem,
tem de pegar direito, virar o rótulo para a câmera. E fica lá a garota
do merchandising dizendo como
fazer a cena. Pergunto: "Não é o
diretor que manda?". E os diretores ficam quietos. O merchandising manda. Ouvi dizer que um só
dá para pagar quase o meu salário
na novela inteira. Puxa vida, será?
"CIDADÃO BRASILEIRO"
Não vi a estréia, mas gostaria de
ter visto. Tomara que a audiência
caia. Ah, essa igreja, essa turma.
Mas vamos só falar mal da Globo,
vai. É como disse o Bertrand Russel, quando lhe perguntaram "que
tal fazer 90 anos". "Diante da opção..." Tal é a Globo. Diante da
opção, meu amigo, ainda ficamos
com a Globo, né? Mas, imitar droga, pô [sobre a estratégia da Record de "clonar" a Globo]! Com
esse tipo de edição, tudo vira clipe, tudo se repete, são os mesmos
assuntos. A vida fica uma chatice.
SOTAQUE TURCO
Sabia que há só 20 turcos no Brasil? É o meu problema em "Belíssima", ninguém me ensina a falar.
Procurei usar dramaticamente o
sotaque. Há horas em que não dá
para brincar com sotaque, como
nas cenas com a Bia [Fernanda
Montenegro]. Procuro ficar denso para não cair no que, na minha
opinião, caiu o Tony Ramos. Fica
aquele sotaque entre o personagem e o público enchendo o saco,
e o ator não atenta ao drama, que
é o que interessa. Acho muito chato [o Tony dizer Zúlia no lugar de
Júlia]. Adoro o Tony, mas procurei não cair nisso. Uso conforme a
situação porque é um penduricalho. Antes de mais nada, construo
psicologicamente o personagem.
Por isso todos são Sassá Mutema,
porque todos são da serra da Canastra [onde Lima nasceu].
GLOBO X RECORD
Trabalho há 35 anos na Globo. Fui
convidado a ir para a Record, olha
que importante sou. Fui convidado a ir para a Igreja Universal. Logo no começo da conversa, falaram: "Dinheiro não é problema".
E respondi: "Para mim também
não". Ganho muito bem, tenho
contrato longo, acho que até o fim
da minha vida, mais cinco anos.
PODER DO PAI
Sou de Desemboque, Minas. Meu
pai teve o primeiro aparelho de
rádio da minha terra. Sabia de algo que Silvio Santos, esse da Igreja
Universal e Roberto Marinho descobririam depois: quem detém a
informação detém o poder. Botava o rádio baixinho, não deixava
ninguém ouvir. O povo ficava na
janela assistindo ao meu pai ouvir
rádio. Ele lavava as mãos para ligar o rádio e punha o paletó. Ele
me ensinou a ser respeitoso com
essa coisa da informação.
MANGA E ZONA
Cheguei a SP num caminhão de
manga. Tinha 15 anos, meu pai
disse: "Atimbora", como Guimarães Rosa. Percebeu que eu estava
pronto. Nas primeiras noites,
dormi embaixo do caminhão. Até
que um amigo me convidou para
ir à zona. Eu: "Mulher, a coisa
propriamente dita?!". Era acostumado com bananeira, bezerro, esses negócios da roça. Fiquei morando com madame Paulete. Ela
tinha 40. Devo ter sido uma maravilha na vida dela, não? Ela me levou à rádio Tupi. Tinha um amigo locutor, que me arranjou um
teste. O sujeito falou: "De onde é
que sai a sua voz? Do sovaco?".
Mas o operador ficou com dó e
me chamou a trabalhar com ele.
VÍTIMA DA CRÍTICA
O único que estava na inauguração da TV e continua no ar sou eu.
A Hebe teria de ir, mas preferiu
sair com o namorado. Ia cantar o
hino, que é lindo, do Guilherme
de Almeida: "Vingou como tudo
vinga, no teu chão de Piratininga". Ele fez a primeira crítica de
TV, e fui vítima. Foi o primeiro
Shakespeare da TV. Eu era o
Hamlet. Ele escreveu: "O Hamlet
até que tem o "physique du rôle".
Quanto ao espetáculo esteve patético, mas não esteve ridículo". É o
que tentamos ser a vida inteira na
TV: patéticos, mas não ridículos.
COMUNISMO
Tínhamos uma célula importante
antes de 64. Fui prestar depoimento, o Fleury me interrogou e o
Tuma estava ao lado. Meu nome
havia sido encontrado numa
agenda do Prestes, com contribuições ao partido. Mas recebi
uma mensagem avisando que deveria dizer "vendedor de livros".
O escrivão perguntou se conheci
Prestes. Respondi: "O vendedor
de livros?". Ele: "Ah, como são ingênuos. Ele se passa por vendedor
de livros para pegar dinheiro!".
CHATÔ
Com o Chateaubriand, mais que
trabalhei, falava por ele. Ele teve
um AVC [acidente vascular cerebral], ficou com limitações terríveis. Um dia, me chamou para ler
um discurso dele. Ficou nervoso
porque eu não compreendia, até
que conseguimos nos entender, e
passei a traduzir para as pessoas o
que ele queria dizer.
ROBERTO MARINHO
Do doutor Roberto, eu era amigo.
Na reinauguração do Cristo Redentor, fui apresentar a cerimônia. Com uns 90 anos, o doutor
Roberto tinha quebrado a perna.
A Globo armou uma liteira com
quatro negros para carregá-lo. Ele
disse que não ia subir naquilo e
pediu para pegar no meu braço.
Quando subimos os 200 degraus,
falei: "Puxa, o senhor está melhor
do que eu". Ele: "Era capaz de jurar que ia me dizer isso. Melhor
coisa nenhuma". Já foi me chamando de puxa-saco. Era muito
esperto! Os filhos eu não conheço.
Não sei o que é a Globo atualmente. Hoje lá tudo é dirigido a partir
do comércio. Toda novela tem como prioridade a produção: "O seu
cabelo não está funcionando. Você gosta dele, mas é uma porcaria,
o povo não gosta". Nunca é a partir da criação. Mas acho que isso é
um problema de todos, não é?
37 FILMES
Fiz cinema também, 37 filmes
hein? Tenho cinco para entrar, e
ninguém fala, é uma tortura. É só
Sassá Mutema. Não que me sinta
injustiçado, não é o termo. Mas há
uma falta de cuidado em analisar
a minha obra, sempre em nome
de uma piada. Além de "Depois
Daquele Baile" e "Boleiros 2", vou
estrear um do Manoel de Oliveira.
MANOEL DE OLIVEIRA
É um querido amigo, nem penso
nele como cinema. Penso como é
legal, gostamos de comer e beber
vinho. Sabe que ele vai fazer uma
continuação da "Belle de Jour" [A
Bela da Tarde]? Com a Catherine
Deneuve. Vai se chamar "Encore
Plus Belle" [Ainda mais Bela].
"Plus belle et plus putaine" [mais
bela e mais puta]. Ele é muito jovem, 97 anos. Numa entrevista,
uma moça lhe perguntou: "E o futuro?". Ele: "Futuro? O futuro para mim é o paraíso ou o inferno. É
o paraíso pelo clima ou o inferno
pelas companhias".
SEXO SUBLIMADO
Não tenho paciência [para conquistar uma mulher. Para valer a
pena,] hoje que estou com 76
anos, teria de ter outros encantos
que não os da Maitê. Talvez a Fernanda [Montenegro], que é brilhante, ou o Manoel de Oliveira
[risos]. Sublimei o sexo.
GUIMARÃES E BRUNA LOMBARDI
Sou leitor compulsivo de "O
Grande Sertão: Veredas". Aquela
adaptação da Globo [86] não podia dar certo. Pôr a Bruna Lombardi para fazer jagunço! O que é
isso!? Uai, com aqueles olhos?
Quis fazer a adaptação há muito
tempo, com a Regina Casé. Ela é
interessante como mulher e muito feia como homem.
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