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FERREIRA GULLAR
Último ato
Como registrei aqui alguns
momentos da comédia das
CPIs, não poderia deixar de mostrar o ato final da CPMI dos Correios, em que o espetáculo atingiu
talvez o seu ápice, não pelo que
revelou, mas por nada ter revelado.
Era a última sessão pública daquela CPI e nela foi ouvido o publicitário Duda Mendonça, que
veio munido de um salvo-conduto do Supremo Tribunal Federal,
concedendo-lhe o direito de não
responder a perguntas que o incriminassem. É estranho, mas é a
lei. Foi tão surpreendente o que
ocorreu ali que me sinto compelido a mostrá-lo, não como narrativa e sim como alegoria.
Relator - Senhor Duda Mendonça, V.S. declarou em depoimento anterior que recebeu R$ 10
milhões do PT. Confirma essa declaração?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Relator - Esse dinheiro seria o
pagamento de parte dos serviços
que o senhor prestou ao PT durante campanha presidencial de
2002. Confirma?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Relator - É verdade que sua filha tentou transferir para o Brasil
parte do dinheiro que o senhor
tem na conta Dusseldorf?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Relator - Conhece a senhora
Zilmar Fernandes?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Um deputado - Senhor presidente, uma questão de ordem... O
senhor Duda Mendonça não pode negar-se dessa maneira a responder a todas as perguntas do
relator!
Presidente - Lamento, mas ele
está protegido por uma liminar
do Supremo... Prossiga, senhor relator.
Relator - Senhor Duda Mendonça, o senhor é casado? Pode
dizer o nome de sua esposa?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Relator - Quanto filhos o senhor tem?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Relator - Senhor Duda, que o
senhor se negue a responder a
perguntas que possam incriminá-lo, está no seu direito, mas negar-se a dizer o nome de sua esposa,
me parece demais.
Duda (depois de cochichar com
o seu advogado) - Essa é a orientação que recebi de meus advogados. Da outra vez, não obedeci a
orientação deles e me ferrei.
Relator - O senhor se ferrou como?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Relator - Senhor presidente,
dou por encerrado o meu inútil
interrogatório.
Presidente - Com a palavra o
deputado Ambrósio.
Deputado - Senhor Duda Mendonça, em seu primeiro depoimento, o senhor mentiu a esta comissão quando disse que tinha
apenas uma conta no exterior.
Admite que tem mais de uma
conta no exterior?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Deputado - Senhor Duda, V.S.
não acha que, negando-se a responder a toda e qualquer pergunta, está dando uma demonstração pública de culpa?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Deputado - Senhor presidente,
não vejo razão para se continuar
com este depoimento já que o depoente não depõe.
Presidente - O depoimento terá
que continuar, quer ele responda
ou não. (A Duda) Senhor depoente, podia pelo menos responder a
perguntas que não o comprometam. É impossível que todas o incriminem.
Duda - Como não sou advogado, não posso avaliar se a pergunta me compromete ou não.
Presidente - Mas o senhor não é
débil mental, ou é?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Presidente - Com a palavra o
deputado Jacinto.
Deputado - Senhor Duda, o senhor está cometendo crime de
obstrução da Justiça. Pode responder por isso mais tarde.
Duda - Estou protegido pelo Supremo Tribunal Federal.
Deputado - Senhor presidente,
temos de reconhecer que essas decisões do Supremo concedendo
aos depoentes o direito de não
responder às perguntas anulam a
ação do Congresso para esclarecer a verdade. A que ponto chegamos!
Senadora - Aqui no Congresso,
como no Supremo, existem pessoas desonestas e de mau caráter.
Acato as decisões do Supremo,
mas nem sempre as respeito, já
que muitas delas não merecem
ser respeitadas.
Presidente - Com a palavra o
deputado Buriti.
Deputado - Senhor Duda Mendonça, o senhor, que gosta tanto
de briga de galo, parece que hoje
está fugindo da rinha. Como é
mesmo que se chama o galo que
foge da rinha?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Deputado - E um copo d'água?
Aceita um copo d'água?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Deputado - Então aceita um
cafezinho?
Duda - Lamento, mas não vou
responder.
Deputado - Ia perguntar se o senhor gosta de pizza, mas já sei
que não vai responder.
Foi então que pensei: no caso de
Duda Mendonça, que não queria
dizer a verdade, o Supremo lhe
concedeu uma liminar para que
se calasse; em seguida, no caso do
Nildo, o caseiro que queria dizer a
verdade, o Supremo concedeu
uma liminar para calá-lo.
Se alguém me perguntar o que
penso disso, lamento, mas acho
desnecessário responder.
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