São Paulo, quarta-feira, 26 de março de 2008

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"Tour" do Satyros visita periferia

Em "A Fauna", cia. ocupa casas e ruas da comunidade de Vila Verde, em Curitiba, e recolhe histórias

Projeto paralelo de residência mistura atores, moradores do local e espectadores que chegam num microônibus

VALMIR SANTOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Zenite de Lima Peres é uma das trabalhadoras da cooperativa de costureiras instalada em Vila Verde, zona oeste de Curitiba. Quando criança, gostava de imitar artistas de novela em frente ao espelho. "Até sonhava em fazer novela, nem que fosse como cozinheira ou faxineira." Aos 57 anos, com cinco filhos e seis netos, ela é ela mesma no auto teatral "A Fauna", fruto de residência do grupo Os Satyros na comunidade este mês.
Moradores, atores e público misturam-se no projeto paralelo do Festival de Curitiba. São duas sessões noturnas. Um microônibus parte do centro com até 24 espectadores. No itinerário, é exibido vídeo com depoimentos dos participantes.
Chegando a um auditório anexo a uma escola, o público passa a acompanhar um roteiro processual com cenas, instalações cenográficas, performances e intervenções como a que acontece no galpão da cooperativa de costureiras, onde Zenite surge ao lado de sete colegas.
Noutra passagem, o auto adentra a casa de quintal e quatro cômodos de Rosângela Gomes, 30, que tinha 9 anos quando chegou ao local com a família, uma das dezenas que "invadiram" terrenos locais na década de 80.
Portão e janelas abertas, os espectadores protagonizam também sua "invasão", conduzidos pelo narrador/cicerone com megafone em punho, Jessé Rosário Nascimento, 46, um dos líderes comunitários.
"Gosto da simpatia de quem vem", diz a dona-de-casa Gomes. Ela segue lavando louça em pleno entra-e-sai de pessoas que nunca viu na vida.
Em outra casa, agora no portão, Loyd Corrêa, a "Índia", canta suas dores da vida, ela que permaneceu 19 dias em coma devido a agressões que sofreu anos atrás. Sua vizinha, Isaura da Silva, 73, surge com um longo vestido azul. "Meu papel é o da analfabeta", afirma, enumerando logo os 18 filhos, 38 netos e 16 bisnetos, tudo na ponta da língua, como no texto que resultou dos depoimentos e foi tratado por dramaturgos.
Na paisagem formada por ruas asfaltadas, carros, igrejas pentecostais e católicas, bares etc., o auto atravessa ainda, entre outros momentos, uma sala de aula, o manifesto do rap e os desenhos no chão de corpos que teriam tombado ali.
E centro e periferia se diluem na visão do motorista do microônibus, morador da vizinha Vila Sabará. "As pessoas correm mais perigo no centro do que aqui, onde há mais liberdade e não é comum mexerem com você", diz Carlos Castro, 42, sete anos de ofício e, no currículo, condutor de três "tour favela" pela Rocinha (RJ).


A FAUNA
Quando:
de hoje a 30/3, às 18h30 e às 21h30
Onde: Vila Verde (Curitiba)
Quanto: R$ 30 (a organização transporta o público em microônibus que sai do Memorial de Curitiba, no centro)
www.festivaldeteatro.com.br


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