São Paulo, quinta-feira, 26 de março de 2009

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Crítica/teatro/"Doido"

Andreato imprime sua voz em declaração de amor ao teatro

LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

O monólogo é um formato tradicional do teatro que sempre foi praticado por grandes atores. O espetáculo "Doido", que estreou anteontem no Festival de Curitiba, enquadra-se na melhor linhagem dessa tradição. Seu criador, desempenhando papel de ator, dramaturgo e encenador, é Elias Andreato, intérprete familiarizado com o gênero, que já experimentou duas outras vezes na carreira: no clássico "Diário de um Louco", de Nikolai Gógol, em 1980, e em "Van Gogh", a partir das cartas do pintor holandês, em 1993.
No auge da maturidade artística, Andreato coloca-se o desafio de sustentar a cena sem praticamente nenhum elemento além da sua própria elocução, e sentado em uma mesa diante do público. É verdade que ele inicia o espetáculo acumulando a função de contrarregra e distribuindo pela mesa a série de pequenos objetos que o auxiliarão na travessia. Não é desprezível, tampouco, a participação de uma dezena de folhas grandes de papel que vão sendo descartadas como partituras em branco, onde estariam inscritas as cifras invisíveis de uma alma decidida a se despir em público. Mas isso é o máximo de artifício a que a peça se permite.
O resto são palavras, ou uma seleção cuidadosa de falas emprestadas a poetas e dramaturgos, muitas vezes roubadas de grandes personagens e recombinadas num fluxo evidentemente autoral, em que o ator imprime sua própria voz. Pessoa, Shakespeare, Vinicius de Moraes, Hamlet, Camus são alguns dos autores e derivados que ecoam no desabafo do artista. Claramente, por trás dessas máscaras, quem fala é o ator, numa espécie de declaração de amor à arte do teatro, plena de melancolia e júbilo.
Como outros grandes atores brasileiros que encenaram monólogos memoráveis, Andreato tem nas mãos a chance de tornar esta sua antologia um produto de vida longa, para todos os públicos. O seu controle técnico sobre o espetáculo, como encenador, pontuado pelo belo desenho de luz de Wagner Freire, e o domínio que revela, enquanto ator, sobre os enunciados que profere, potencializam uma fruição comprometida do espectador. É um voo solo, mas que busca cumplicidade.


Avaliação: bom


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