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Crítica/teatro/"Doido"
Andreato imprime sua voz em declaração de amor ao teatro
LUIZ FERNANDO RAMOS
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
O monólogo é um formato tradicional do teatro
que sempre foi praticado por grandes atores. O espetáculo "Doido", que estreou anteontem no Festival de Curitiba, enquadra-se na melhor linhagem dessa tradição. Seu
criador, desempenhando papel
de ator, dramaturgo e encenador, é Elias Andreato, intérprete familiarizado com o gênero,
que já experimentou duas outras vezes na carreira: no clássico "Diário de um Louco", de Nikolai Gógol, em 1980, e em
"Van Gogh", a partir das cartas
do pintor holandês, em 1993.
No auge da maturidade artística, Andreato coloca-se o desafio de sustentar a cena sem praticamente nenhum elemento
além da sua própria elocução, e
sentado em uma mesa diante
do público. É verdade que ele
inicia o espetáculo acumulando
a função de contrarregra e distribuindo pela mesa a série de
pequenos objetos que o auxiliarão na travessia. Não é desprezível, tampouco, a participação
de uma dezena de folhas grandes de papel que vão sendo descartadas como partituras em
branco, onde estariam inscritas
as cifras invisíveis de uma alma
decidida a se despir em público.
Mas isso é o máximo de artifício a que a peça se permite.
O resto são palavras, ou uma
seleção cuidadosa de falas emprestadas a poetas e dramaturgos, muitas vezes roubadas de
grandes personagens e recombinadas num fluxo evidentemente autoral, em que o ator
imprime sua própria voz. Pessoa, Shakespeare, Vinicius de
Moraes, Hamlet, Camus são alguns dos autores e derivados
que ecoam no desabafo do artista. Claramente, por trás dessas máscaras, quem fala é o
ator, numa espécie de declaração de amor à arte do teatro,
plena de melancolia e júbilo.
Como outros grandes atores
brasileiros que encenaram monólogos memoráveis, Andreato
tem nas mãos a chance de tornar esta sua antologia um produto de vida longa, para todos
os públicos. O seu controle técnico sobre o espetáculo, como
encenador, pontuado pelo belo
desenho de luz de Wagner Freire, e o domínio que revela, enquanto ator, sobre os enunciados que profere, potencializam
uma fruição comprometida do
espectador. É um voo solo, mas
que busca cumplicidade.
Avaliação: bom
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