São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2010

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Crítica/"Insolação"

Filme canta o amor frustrado na aridez de uma cidade estilizada

Em "Insolação", cineasta Daniela Thomas trabalha com Felipe Hirsch, parceiro no teatro que estreia no cinema

ALEXANDRE AGABITI FERNANDEZ
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Depois de quinze anos realizando filmes ao lado de Walter Salles, Daniela Thomas mudou de parceiro. Escolheu Felipe Hirsch -com quem vem trabalhando assiduamente no teatro-, que estreia no cinema.
"Insolação" é uma arriscada narrativa sobre um tema tão trivial quanto insondável: o amor inalcançável e a melancolia que ele engendra. Para falar dessa utopia frustrada, a dupla de diretores escolheu Brasília como cenário: ela também é uma utopia irrealizada, tanto na política como no urbanismo. Mas o que vemos na tela não é a Brasília de cartão-postal com a catedral, a esplanada dos ministérios e outros edifícios conhecidos. O filme mostra uma Brasília fragmentada, meio em ruínas, que jamais é nomeada.
Apenas a monumentalidade fria dos edifícios e dos grandes espaços abertos é preservada, trabalhada pelos enquadramentos rigorosos, cujo refinamento destila uma poesia grave. Nessa cidade estilizada não há viva alma além dos poucos personagens.
Os protagonistas erram pelas ruas, praças e edifícios dessa cidade fantasma, espaço opressivo e vertiginoso ao qual eles são totalmente alheios. A narrativa é rarefeita, avança ao sabor de esparsos encontros e de silêncios intermináveis, que se tornam ainda mais pesados no espaço hostil da cidade vazia. O núcleo central de personagens é composto por figuras muito díspares, que têm Andrei (Paulo José), um velho escritor, como elo.
Ele propõe uma reflexão, uma conversa com essas pessoas, mas o resultado são monólogos em que ele expõe seu isolamento e nostalgia. Muitos desses monólogos se dirigem ao espectador, e nesses momentos Paulo brilha pelos matizes que imprime.
Seus desamparados companheiros de jornada são quatro. Vladimir (Antonio Medeiros) é um garoto de 12 anos que descobre o amor ao se apaixonar por uma mulher. Leo (Leonardo Medeiros) vive permanentemente amargurado: é amado por uma garota de 13 anos, que o seduz e é rejeitada, enquanto ele se apaixona por uma jornalista.
Uma ninfomaníaca (Simone Spoladore) só encontra insatisfação em seus efêmeros relacionamentos. Um enigmático vigia, mudo o filme inteiro. Apesar de diferentes entre si, as experiências amorosas são processos solitários -que reverberam na cidade desabitada- e se revelam frustrantes.
O amor é como uma febre, uma insolação, que também é vivido como perda. Os diálogos são frequentemente teatrais e literários, distantes de qualquer matriz realista, conferindo ainda mais estranhamento a essas figuras desesperadas.
Longe dos cânones cinematográficos, ousado em sua proposta, "Insolação" é um filme exigente para o espectador ao trabalhar as emoções de maneira contida, sem convencionalismo. Solicita olhos e ouvidos atentos e coração aberto.


INSOLAÇÃO

Direção: Daniela Thomas e Felipe Hirsch
Com: Paulo José, Simone Spoladore, Leonardo Medeiros
Produção: Brasil, 2009
Onde: Frei Caneca Unibanco Arteplex 5
Classificação: livre
Avaliação: bom




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