São Paulo, sexta-feira, 26 de março de 2010

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CINEMA

Filme cazaque defende simplicidade

Dvortsevoy, nascido no Cazaquistão, partiu para a ficção por achar que documentaristas têm um quê de vampiros

Depois de "Tulpan", que ganhou prêmio em Cannes, cineasta recebeu convites para dirigir filmes nos Estados Unidos e na Europa


ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

A cena mais forte de "Tulpan", vencedor da Câmera d'Or em Cannes, se dá numa paisagem desolada. Em quadro, estão um homem e uma ovelha. Ele terá de ajudá-la a dar à luz. A sequência, sem cortes ou efeitos, dura dez minutos. É tempo o bastante para que, pelos 40 países por onde passou, "Tulpan" tenha recebido a atenção de críticos e cinéfilos.
"Até hoje, quando revejo essa cena, não acredito que conseguimos filmá-la", diz o diretor Sergei Dvortsevoy, em entrevista à Folha, de Moscou. "Foi sorte. Muita sorte. Mas também muito trabalho."
A cena do nascimento de um carneiro sintetiza a busca que o cineasta empreende há 15 anos. Como escreveu, no "Observer", Pawel Pawlikowski, diretor de documentários da TV britânica, o sucesso de "Tulpan" em Cannes deve ter pego de surpresa o mundo do cinema "mas, para os fãs de Dvortsevoy, era só a continuação de uma longa e paciente jornada".
Nascido no Cazaquistão em 1962, esse artista que se revela tão paciente e reflexivo na fala quanto nas imagens, foi parar no cinema quase que por uma peça pregada pelo destino. Seu sonho, desde menino, era ser jogador de futebol. E foi, até os 18 anos, quando uma lesão o impediu de continuar jogando. Tornou-se engenheiro de voo.
E eis que, sem que até hoje saiba explicar por que, mandou um texto para uma escola de cinema de Moscou após ler, num jornal, um artigo sobre um concurso. "Mandei por diversão. Cinema, para mim, era só um programa para as noites de sábado", diz. Foi selecionado.
O desapego ao cinema fez com que movesse a câmera mais por instinto que por influência. "Só sabia que queria mostrar a vida do meu país e da Rússia, mostrar as pessoas simples que, à sua maneira, são felizes", explica, abrigado nas palavras do escritor que considera gigante: Tchekov.
Foi buscar essas vidas por meio de documentários. Mas, a certa altura, sentiu-se desconfortável nesse papel. "Fazia filmes sobre pessoas, vidas e dificuldades reais, mas, mesmo buscando a verdade, mostrava apenas uma parte dela. Interferimos na vida das pessoas e não sabemos de que maneira o que fizemos as afetou. Às vezes, o que é o melhor para o filme, é o pior para elas."
Nascia assim a ficção "Tulpan". Feito com dinheiro do governo russo e de uma investidora privada do Cazaquistão, o filme, de ar documental, é visto localmente como obra de arte para poucos. "Temos no Cazaquistão um grande estúdio estatal que investe em filmes históricos. É um país de 20 anos que quer fazer filmes sobre mitos e heróis", critica.
O oposto do que quer Dvortsevoy. "Não se trata de retornar à vida primitiva, mas às questões simples. Na cidade, às vezes nos esquecemos de que fazemos parte da natureza e de que temos, todos, em qualquer lugar, emoções parecidas."


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