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CINEMA
Filme cazaque defende simplicidade
Dvortsevoy, nascido no Cazaquistão, partiu para a ficção por achar que documentaristas têm um quê de vampiros
Depois de "Tulpan", que ganhou prêmio em Cannes, cineasta recebeu convites para dirigir filmes nos Estados Unidos e na Europa
ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL
A cena mais forte de "Tulpan", vencedor da Câmera d'Or
em Cannes, se dá numa paisagem desolada. Em quadro, estão um homem e uma ovelha.
Ele terá de ajudá-la a dar à luz.
A sequência, sem cortes ou
efeitos, dura dez minutos. É
tempo o bastante para que, pelos 40 países por onde passou,
"Tulpan" tenha recebido a
atenção de críticos e cinéfilos.
"Até hoje, quando revejo essa
cena, não acredito que conseguimos filmá-la", diz o diretor
Sergei Dvortsevoy, em entrevista à Folha, de Moscou. "Foi
sorte. Muita sorte. Mas também muito trabalho."
A cena do nascimento de um
carneiro sintetiza a busca que o
cineasta empreende há 15
anos. Como escreveu, no "Observer", Pawel Pawlikowski, diretor de documentários da TV
britânica, o sucesso de "Tulpan" em Cannes deve ter pego
de surpresa o mundo do cinema "mas, para os fãs de Dvortsevoy, era só a continuação de
uma longa e paciente jornada".
Nascido no Cazaquistão em
1962, esse artista que se revela
tão paciente e reflexivo na fala
quanto nas imagens, foi parar
no cinema quase que por uma
peça pregada pelo destino. Seu
sonho, desde menino, era ser
jogador de futebol. E foi, até os
18 anos, quando uma lesão o
impediu de continuar jogando.
Tornou-se engenheiro de voo.
E eis que, sem que até hoje
saiba explicar por que, mandou
um texto para uma escola de cinema de Moscou após ler, num
jornal, um artigo sobre um
concurso. "Mandei por diversão. Cinema, para mim, era só
um programa para as noites de
sábado", diz. Foi selecionado.
O desapego ao cinema fez
com que movesse a câmera
mais por instinto que por influência. "Só sabia que queria
mostrar a vida do meu país e da
Rússia, mostrar as pessoas
simples que, à sua maneira, são
felizes", explica, abrigado nas
palavras do escritor que considera gigante: Tchekov.
Foi buscar essas vidas por
meio de documentários. Mas, a
certa altura, sentiu-se desconfortável nesse papel. "Fazia filmes sobre pessoas, vidas e dificuldades reais, mas, mesmo
buscando a verdade, mostrava
apenas uma parte dela. Interferimos na vida das pessoas e não
sabemos de que maneira o que
fizemos as afetou. Às vezes, o
que é o melhor para o filme, é o
pior para elas."
Nascia assim a ficção "Tulpan". Feito com dinheiro do
governo russo e de uma investidora privada do Cazaquistão,
o filme, de ar documental, é
visto localmente como obra de
arte para poucos. "Temos no
Cazaquistão um grande estúdio estatal que investe em filmes históricos. É um país de 20
anos que quer fazer filmes sobre mitos e heróis", critica.
O oposto do que quer Dvortsevoy. "Não se trata de retornar
à vida primitiva, mas às questões simples. Na cidade, às vezes nos esquecemos de que fazemos parte da natureza e de
que temos, todos, em qualquer
lugar, emoções parecidas."
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