São Paulo, sábado, 26 de março de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

Livro resgata mulher que transformou a biomedicina

Obra é passeio assustador por ética em pesquisas e estigmas raciais dos EUA

Família não sabia de experimentos com células de paciente, relata "A Vida Imortal de Henrietta Lacks"

REINALDO JOSÉ LOPES
EDITOR DE CIÊNCIA

Por anos, a americana Deborah Lacks teve pesadelos com os experimentos macabros que cientistas do mundo todo andavam fazendo com sua pobre mãe, Henrietta.
A mãe de Deborah tinha sido inoculada com o vírus da poliomielite, clonada milhões de vezes, submetida a explosões atômicas e à microgravidade do espaço sideral. Tudo isso depois de morrer de câncer e ressuscitar, tornando-se imortal.
É claro que há um mal-entendido trágico nessa história. Henrietta Lacks morreu em 4 de outubro de 1951. Mas o câncer de colo de útero que a matou deu origem, em laboratório, às células HeLa, a mais importante linhagem "imortal" de células humanas, que viraram ferramentas indispensáveis para a biomedicina. Essa revolução tecnológica aconteceu sem o conhecimento ou o consentimento da morta ou de sua família, conta a bióloga e escritora Rebecca Skloot em "A Vida Imortal de Henrietta Lacks", que acaba de chegar ao país.

NÓDOA
A obra é um passeio esclarecedor -e assustador- pelo nascimento da biotecnologia e da (falta de) ética em pesquisa com seres humanos. E também pelas mazelas raciais do sul dos EUA: os Lackses eram negros da zona rural da Virgínia, nascidos e criados numa cabana de escravos, plantando tabaco.
"Aparentemente os cientistas nunca se deram ao trabalho de explicar o que foi feito das células de Henrietta porque achavam que os Lackses seriam incapazes de entender aquilo", disse Skloot à Folha.
"Isso foi antes do movimento dos direitos civis, no atendimento a negros pobres numa ala de indigentes do hospital [da Universidade Johns Hopkins], então a transparência nem era uma consideração para os médicos", lembra a autora.
"Aliás, mesmo pacientes brancos tinham seus tecidos retirados e usados para pesquisa sem consentimento." A coisa piorou décadas depois, quando o marido e os filhos de Lacks foram procurados para estudos genéticos, dada a importância crescente das células HeLa.
"Para pessoas como eles e para o público em geral, a diferença entre clonar uma pessoa e clonar apenas suas células fica completamente borrada", diz Skloot. "Mas, no fim das contas, eles conseguiram entender a importância das células, e o fato de que a mãe deles não sofria com os experimentos."



A VIDA IMORTAL DE HENRIETTA LACKS
AUTOR Rebecca Skloot
EDITORA Companhia das Letras
TRADUÇÃO Ivo Korytowski
QUANTO R$ 42 (464 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo



Texto Anterior: Mulher assinou a primeira coluna sobre o tema
Próximo Texto: Islândia tenta recuperar seu prestígio por meio da literatura
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.