São Paulo, quarta-feira, 26 de abril de 2006

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COMENTÁRIO

MinC engole sapo e só faz mudanças superficiais

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA

O arquivamento da proposta de encaminhar ao Congresso um projeto de mudança do regime de incentivo fiscal à cultura foi um dos sapos que o Ministério da Cultura engoliu e uma das promessas que deixou de cumprir. A cúpula do MinC, que mal consegue impor mudanças cosméticas à lei por meio de um decreto, diz que as alterações serão propostas na "próxima gestão". Ou seja, entregou a Deus.
É claro que a Lei Rouanet beneficia a cultura. Os recursos que ela permite aplicar dinamizam a atividade cultural. Mas isso não significa que a legislação seja a mais adequada. Mesmo o mais aleatório dos critérios faria com que a distribuição de R$ 677 milhões ao meio cultural -foi essa a renúncia fiscal em 2005- produzisse frutos. E certamente muitos, em especial os que colheram esses frutos, acenariam com os resultados para justificar a manutenção dos critérios -por mais precários que fossem.
De certa forma, é o que vem acontecendo com o incentivo à cultura. A Lei Rouanet encerra contradições flagrantes em se tratando de uma legislação destinada a incentivar o investimento privado em projetos culturais por meio de apoio financeiro público.
Na prática, o que temos são companhias privadas (e também públicas) "investindo" impostos (que seriam recolhidos pelo Estado) a seu bel prazer ou em atendimento aos lobbies com mais força política ou socialmente mais bem posicionados para convencer as cúpulas empresariais.
Mais do que isso, temos uma série de institutos, bancados por intituições financeiras extremamente lucrativas, que associam suas marcas ao investimento ou ao mecenato cultural embora, na realidade, pratiquem essas virtudes (exploradas no marketing) com dinheiro de tributos.
Em resumo, temos dinheiro público alocado por empresas privadas, de acordo com seus interesses. Mas -diga-se- nada disso seria possível sem o indispensável aval do Minc, que autoriza "captações" mesmo em casos nos quais o mercado parece perfeitamente capaz de arcar com o empreendimento.
A idéia de investimento -ou seja, de um capitalista que assume o risco de destinar recursos a um projeto que presumivelmente lhe trará retorno- se dissipa na confusão público-privado, como é comum no Brasil. Ficamos com investidores privados que correm pouquíssimo ou nenhum risco -pois estão cobertos por recursos da sociedade. Por que desejariam mudar a lei?
Já se formulou, e o próprio MinC em tese assumiu, a idéia de concentrar o montante da renúncia fiscal num fundo público que distribuiria os recursos segundo critérios estabelecidos por uma política de Estado. Mesmo que critérios públicos também possam ser problemáticos, é uma discussão pertinente, que deveria ser apresentada ao Congresso. Foi o que o MinC não fez.


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