São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

VIP Muniz

Com mostra milionária no Masp, o artista plástico Vik Muniz fala sobre o tiro que o levou a Nova York e o status de americano e diz que está imune à "minidepression" financeira

Vik Muniz
O artista faz um autorretrato no hotel Fasano, em São Paulo

Vik Muniz mandou pintar de "amarelo Veuve Clicquot" as paredes do Masp, onde abriu uma megarretrospectiva na última quinta-feira. "Eu gosto de cor na parede, não sei por que tem que ser branco", diz o artista plástico ao repórter Silas Martí enquanto caminha no subsolo do museu, admirando as próprias obras. "É para ser uma exposição "user friendly"."

 


User friendly? Sim, isso mesmo. Ou, em bom português, algo como "fácil de usar". Misturando inglês e português, vício que adquiriu em seus quase 30 anos em Nova York, Vik, 47, acha que as cores do rótulo de champanhe vão ajudar a orientar o público de sua mostra no Masp, orçada em R$ 2 milhões, pagos pelo Bradesco.
 


Ele é o "cidadão norte-americano mais brasileiro" que sua marchand Márcia Fortes conhece, um artista que está em todas as coleções. "Todo mundo tem", diz ela. "Advogados, médicos, atores globais ou não globais, outros artistas, gente famosa, gente que não é famosa, gente rica, gente pobre."
 


Filho de cearenses que vieram a São Paulo em pau de arara, Vik só foi parar nos EUA porque levou um tiro na perna tentando apartar uma briga de bar nos Jardins. "Na hora, fiquei "stunned" [estupefato]. Era como naquele filme "Matrix", eu via as balas vindo na minha direção", exagera.
"Perdi duas unhas me arrastando pelo chão e consegui dirigir sozinho até o médico, mas bati no canteiro do [hospital] Santa Catarina."
O autor do disparo pagou pelas despesas de saúde e deu dinheiro suficiente para a passagem de Vik rumo à América.
 


"Hoje eu apareço mais como artista americano", conta. "Às vezes, colocam "Brazilian born" [nascido no Brasil], mas sou internacional. Foi difícil conseguir o status de artista brasileiro." Anos depois, a primeira vez em que os pais de Vik puseram os pés num museu foi para ver obras do filho.
Antes da fama, Vik copiava clássicos dos grandes mestres, que emoldurava e vendia por uns trocados -chegou a dizer que tinha "vergonha de ser pobre e não gostar do comunismo" e que "Marx e Mao" lembram nomes de mágicos.
 


Hoje é diferente. "Eu peço um avião para desenhar uma nuvem para mim", diz ele sobre suas fotografias com nuvens artificiais feitas com rastros de fumaça no céu de Nova York.
Não há limite. Ele já usou até tratores para cavar buracos e desenhos na terra que depois registrou de um helicóptero.
Trocou linha, arame e confetes sujos que usava em seus trabalhos por chocolate, caviar e diamantes -do lixo ao luxo.
 


"Quando trabalhei com diamantes, pensei em desenhar assaltos, chacinas, coisas horríveis, que dessem outro valor ao diamante, mas achei muito "sophomoric" [ingênuo], muito "art student" [escolar]", diz Vik.
Acabou fazendo retratos de Liz Taylor e de outras divas do cinema com pedras preciosas. Ele explica: "Decidi fazer a coisa mais sem-vergonha do mundo, exatamente o que o diamante quer dizer. É tóxico, tóxico porque é bonito demais".
 


"Ele tem uma relação muito gostosa com o sucesso dele", diz Márcia Fortes. "Curte genuinamente, bebendo vinho com os amigos, mas virou celebridade." Depois do vernissage de sua mostra no Masp, Vik seguiria para a Disco, balada de mauricinhos no Itaim Bibi. Na última vez que expôs em São Paulo, há dois anos, festejou com amigos e alguns globais, como Mariana Ximenes, no Royal. Agora está hospedado no Fasano, onde seu pai, o Careca, trabalhou como garçom.
 


No saguão do hotel, Vik procura anúncios de sua mostra no Masp numa pilha de jornais e conversa com amigos no Facebook. Depois, pede um café a seu Atico, 82, garçom que já trabalhou com seu pai no agora decadente Ca'd'Oro.
 


Muito de sua obra se volta às classes populares. Vik já fotografou filhos de trabalhadores nas lavouras de cana-de-açúcar no Caribe, meninos de rua da cracolândia e catadores de lixo do Jardim Gramacho, no Rio, que estrelam uma série recente.
"Estou a fim de criar tensão entre material e tema, não de extrapolar antagonismos, polaridades", diz. "Miséria é uma palavra difícil, aqui eu não vejo tanta miséria, vejo mais pobreza, e é isso que aparece no meu trabalho. Não vejo como coisa triste, mas como coisa real."
 


Na saída do Fasano, Vik cochicha a seu assistente que a BMW lhe ofereceu de presente um Mini Cooper, carro que custa entre R$ 92,5 mil e R$ 129,5 mil. "Diz que você já tem um Mini Cooper, que, se quiserem fazer um anúncio, têm que pagar US$ 100 mil", dispara Fábio Ghivelder, que se apresenta como "production coordinator" de Vik. Na rua, a caminho de um barbeiro nos Jardins, repassam a agenda de reuniões: uma com a Louis Vuitton, outra com a Lancôme e uma terceira com a agência W/Brasil, de Washington Olivetto.
 


"Sou realista, não estou atrás de opiniões", afirma. "Dizem que sou leviano, que estou sempre inventando a coleção de verão, a coleção de inverno, mas não me vejo muito diferente do artista que leva seu cavalete ao monte Sainte Victoire [montanha que aparece em várias obras de Paul Cézanne] para pintar o que está vendo."
 


Vik conta, aliás, que seu artista preferido é o francês Gustave Courbet, nome inaugural do realismo. "Eu tenho um Courbet em casa, uma pintura. Gastei todo o meu dinheiro para comprar. Também tenho gravuras do Rembrandt", diz ele sobre sua casa no Brooklyn nova-iorquino. "Tem mais "master painters" em casa do que na coleção do Brooklyn Museum."
 


Ele pendura uma câmera fotográfica no pescoço -a mesma que usou para gravar um anúncio de uma marca de telefones- e sai à rua. "Usar essa máquina aqui é a mesma coisa que uma pulseira de ouro", diz. "É "bling" [algo como "muita grana"]." Falando em dinheiro, diz que seu "quarter", ou trimestre, está indo bem, que não vai precisar demitir ninguém, apesar da "minidepression", e que pode continuar a sustentar sua "extended family", ou seja, a parentada aqui no Brasil. Thank God.


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