São Paulo, domingo, 26 de abril de 2009

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Análise/livro/"Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana"

Livro expõe criador tão genial quanto tirânico

Biografia de Disney faz bom desenho da figura centralizadora e anticomunista, mas desliza ao deixar vida familiar do empresário em segundo plano

RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA

Ao decidir mergulhar em Walt Disney, um biógrafo precisa se preparar para enfrentar as perguntas que todo mundo sempre quis fazer e que nunca foram respondidas satisfatoriamente.
Ele era mesmo o genial criador de filmes como "Branca de Neve e os Sete Anões", "Pinóquio", "Dumbo", "Bambi", "Cinderela" e "Peter Pan" ou só o "administrador" desses longas, já que não usava um lápis desde os anos 20, não desenhou Mickey e nem sua famosa assinatura era sua?
É também verdade que, embora insistisse em ser chamado de Walt por seus funcionários, comesse junto com eles e trabalhasse mais do que qualquer um, era um tirano que exigia veneração -e ai de quem incorresse no seu mais ligeiro desagrado? É verdade também que, além de anticomunista, ele era antissemita? E, finalmente, que se deixou congelar ao descobrir que tinha câncer, para que o "ressuscitassem" quando se descobrisse a cura?
Neal Gabler, o autor de "Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana", não espera o leitor chegar ao fim de suas 944 páginas para decifrar a última questão. Na segunda página do texto, já acaba com o mistério: não, Walt não foi congelado, isso nunca passou de lenda. Foi cremado, e suas cinzas, depositadas no cemitério de Forest Lawn, em Los Angeles, perto de seu estúdio.
E quem o tivesse conhecido sabia que não poderia ser diferente: nem morto Disney se afastaria do trabalho. Quanto às outras perguntas, a resposta é sempre sim -e não.
Não, ele não desenhava -cada personagem de cada filme era obra de um ou de vários animadores. Mas, se havia um criador nos filmes, esse criador era ele. Numa época (fins dos anos 20) em que os desenhos animados se limitavam a filmecos mudos e em preto e branco, de oito minutos, Disney foi o primeiro a acreditar em desenhos sonoros, em cores e com 1h20 de duração.

Palavra final em tudo
Ele exigia que os filmes contassem uma história -não se limitassem a uma saraivada de "gags"- e que os personagens fossem multidimensionais (levou anos para estabelecer a personalidade de cada anão em "Branca de Neve"). E era sua a palavra final sobre cada esboço, cada desenho, cada sequência. Lutou pela animação realista: cada gesto de cada personagem tinha de ser mostrado, mesmo que isso obrigasse a produzir milhares de desenhos a mais. Ao mesmo tempo, controlava o pulso das cenas. Por exemplo, a morte da mãe de Bambi: Walt proibiu que o público visse a corça sendo alvejada -morta, então, nem pensar.
Hoje, a cena seria um festival de tripas expostas. Mas Walt fez milhões de crianças chorarem sem apelar ao escatológico. Sim, ele era anticomunista. Em 42, declarou guerra ao sindicato de animadores, que julgava comunista, gesto que dividiu a categoria entre pró e anti-Disney, o que só viria a prejudicá-lo.
Mais tarde, no macarthismo, foi testemunha "amigável" dos inquisidores, embora não tenha entregado ninguém. E não há provas, nenhum indício, de que fosse antissemita. Mas que era um tirano não há dúvida: um homem que buscava o poder absoluto, não para ganhar dinheiro, mas a fim de produzir a perfeição.
Para desespero de seu irmão Roy (que estava para ele como o Grilo Falante para Pinóquio), quase faliu o estúdio para fazer de "Branca de Neve" algo que nunca se vira na animação. Como o filme foi um estouro de público e crítica em 1937, isso pareceu justificar sua atitude de dez anos antes, ao arrancar do estúdio a placa onde se lia "Disney Bros." e substituir por "Walt Disney".

Atribulações iniciais
Neal Gabler demora a fazer a história decolar. Empolgou-se com a documentação a que teve acesso e queimou suas 200 páginas iniciais com as atribulações de Walt e Roy para firmar o estúdio.
Com isso, teve de compensar mais à frente, correndo com a história, ignorando personagens importantes (Tio Patinhas está ausente, e o império de quadrinhos só é citado de raspão) e se aprofundando pouco em Walt como homem, marido e pai. O que é pena, a julgar por diálogos como aquele em que uma amiga de sua mulher, Lillian, exclama, orgulhosa, "Walt é um gênio!", e Lillian responde, secamente: "Você acha? Experimente ser casada com um gênio".
Lillian podia ser casada com Walt, mas Walt não era casado com ninguém exceto com seu estúdio, seus personagens, seus filmes, suas técnicas de animação e, por fim, seus parques temáticos. Ele não estava exagerando ao declarar, nos anos 50: "Nunca amei uma mulher como amo Mickey Mouse". Não por acaso, em seus filmes, os grandes vilões eram as mulheres e os gatos -não confiava e não gostava delas nem deles.
Ao gênio que descobriu como "animar o inanimado" -definição do próprio Walt-, faltava justamente a "anima", a alma, que separa os homens dos bonecos desenhados.


WALT DISNEY: O TRIUNFO DA IMAGINAÇÃO AMERICANA

Autor: Neal Gabler
Tradução: Ana Maria Mandim
Editora: Novo Século
Quanto: R$ 89,90 (944 págs.)
Avaliação: bom



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