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Análise/livro/"Walt Disney: O Triunfo da Imaginação Americana"
Livro expõe criador tão genial quanto tirânico
Biografia de Disney faz bom desenho da figura centralizadora e anticomunista, mas desliza ao deixar vida familiar do empresário em segundo plano
RUY CASTRO
COLUNISTA DA FOLHA
Ao decidir mergulhar em
Walt Disney, um biógrafo precisa se preparar para enfrentar as perguntas
que todo mundo sempre quis
fazer e que nunca foram respondidas satisfatoriamente.
Ele era mesmo o genial criador de filmes como "Branca de
Neve e os Sete Anões", "Pinóquio", "Dumbo", "Bambi",
"Cinderela" e "Peter Pan" ou só
o "administrador" desses longas, já que não usava um lápis
desde os anos 20, não desenhou
Mickey e nem sua famosa assinatura era sua?
É também verdade que, embora insistisse em ser chamado
de Walt por seus funcionários,
comesse junto com eles e trabalhasse mais do que qualquer
um, era um tirano que exigia
veneração -e ai de quem incorresse no seu mais ligeiro desagrado? É verdade também que,
além de anticomunista, ele era
antissemita? E, finalmente,
que se deixou congelar ao descobrir que tinha câncer, para
que o "ressuscitassem" quando
se descobrisse a cura?
Neal Gabler, o autor de "Walt
Disney: O Triunfo da Imaginação Americana", não espera o
leitor chegar ao fim de suas 944
páginas para decifrar a última
questão. Na segunda página do
texto, já acaba com o mistério:
não, Walt não foi congelado, isso nunca passou de lenda. Foi
cremado, e suas cinzas, depositadas no cemitério de Forest
Lawn, em Los Angeles, perto de
seu estúdio.
E quem o tivesse conhecido
sabia que não poderia ser diferente: nem morto Disney se
afastaria do trabalho. Quanto
às outras perguntas, a resposta
é sempre sim -e não.
Não, ele não desenhava -cada personagem de cada filme
era obra de um ou de vários animadores. Mas, se havia um
criador nos filmes, esse criador
era ele. Numa época (fins dos
anos 20) em que os desenhos
animados se limitavam a filmecos mudos e em preto e branco,
de oito minutos, Disney foi o
primeiro a acreditar em desenhos sonoros, em cores e com
1h20 de duração.
Palavra final em tudo
Ele exigia que os filmes contassem uma história -não se limitassem a uma saraivada de
"gags"- e que os personagens
fossem multidimensionais (levou anos para estabelecer a
personalidade de cada anão em
"Branca de Neve"). E era sua a
palavra final sobre cada esboço,
cada desenho, cada sequência.
Lutou pela animação realista: cada gesto de cada personagem tinha de ser mostrado,
mesmo que isso obrigasse a
produzir milhares de desenhos
a mais. Ao mesmo tempo, controlava o pulso das cenas. Por
exemplo, a morte da mãe de
Bambi: Walt proibiu que o público visse a corça sendo alvejada -morta, então, nem pensar.
Hoje, a cena seria um festival
de tripas expostas. Mas Walt
fez milhões de crianças
chorarem sem apelar
ao escatológico.
Sim, ele era anticomunista. Em 42, declarou guerra ao sindicato
de animadores, que julgava comunista, gesto que dividiu a categoria entre pró e anti-Disney, o que só
viria a prejudicá-lo.
Mais tarde, no macarthismo, foi testemunha "amigável" dos
inquisidores, embora
não tenha entregado
ninguém. E não há provas, nenhum indício, de
que fosse antissemita.
Mas que era um tirano
não há dúvida: um homem que buscava o poder absoluto, não para ganhar dinheiro, mas a fim de produzir a perfeição.
Para desespero de seu irmão
Roy (que estava para ele como o
Grilo Falante para Pinóquio),
quase faliu o estúdio para fazer
de "Branca de Neve" algo que
nunca se vira na animação. Como o filme foi um estouro de
público e crítica em 1937, isso
pareceu justificar sua atitude
de dez anos antes, ao arrancar
do estúdio a placa onde se lia
"Disney Bros." e substituir por
"Walt Disney".
Atribulações iniciais
Neal Gabler demora a fazer a
história decolar. Empolgou-se
com a documentação a que teve
acesso e queimou suas 200 páginas iniciais com as atribulações de Walt e Roy para firmar
o estúdio.
Com isso, teve de compensar
mais à frente, correndo com a
história, ignorando personagens importantes (Tio Patinhas
está ausente, e o império de
quadrinhos só é citado de raspão) e se aprofundando pouco
em Walt como homem, marido
e pai. O que é pena, a julgar por
diálogos como aquele em que
uma amiga de sua mulher, Lillian, exclama, orgulhosa,
"Walt é um gênio!", e Lillian
responde, secamente: "Você
acha? Experimente ser casada
com um gênio".
Lillian podia ser casada com
Walt, mas Walt não era casado
com ninguém exceto com seu
estúdio, seus personagens, seus
filmes, suas técnicas de animação e, por fim, seus parques temáticos. Ele não estava exagerando ao declarar, nos anos 50:
"Nunca amei uma mulher como amo Mickey Mouse". Não
por acaso, em seus filmes, os
grandes vilões eram as mulheres e os gatos -não confiava e
não gostava delas nem deles.
Ao gênio que descobriu como
"animar o inanimado" -definição do próprio Walt-, faltava
justamente a "anima", a alma,
que separa os homens dos bonecos desenhados.
WALT DISNEY: O TRIUNFO DA
IMAGINAÇÃO AMERICANA
Autor: Neal Gabler
Tradução: Ana Maria Mandim
Editora: Novo Século
Quanto: R$ 89,90 (944 págs.)
Avaliação: bom
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