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CINEMA/ESTRÉIAS
Malle narra amor e crime quase perfeitos
CARLOS ADRIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA
S uspenso no alçapão de um
elevador e solapado pelo
amor de Jeanne Moreau, Maurice
Ronet é condenado a não escapar
da acusação de dois crimes.
Eis o fio condutor do primeiro
longa-metragem do diretor francês Louis Malle, "Ascensor para o
Cadafalso" (1957), que reestréia
hoje em São Paulo.
É um filme pré-nouvelle vague,
por razões de época, técnica e temática. A nova onda foi um movimento histórico do cinema francês, lançado em 1958 e 1959, que
propôs ruptura estética e modos
de produção livres do esquema de
estúdio, colado existencialmente
à vida e encapsulado numa "política dos autores".
Assistente de Bresson em "Um
Condenado à Morte Escapou"
(1956), Malle (1932-1995) se integra ao movimento com "Os
Amantes" (1958) e "Trinta Anos
Esta Noite" (1963).
O diretor não pertencia ao grupo de ácidos críticos dos "Cahiers
du Cinéma", futuros cineastas.
Sem o espírito revolucionário de
Godard, Rohmer e Resnais ou o
ímpeto sistemático de Truffaut,
Chabrol e Rivette, Malle brilha no
artesanato diligente e talentoso
(não à toa, fez em Hollywood
"Atlantic City" e "Pretty Baby",
respectivamente em 1980 e 1978).
Em sua primeira performance
como diretor, no filme "O Mundo
do Silêncio" (1956), co-dirigido
por Jacques-Yves Costeau, ganhou a Palma de Ouro no festival
de Cannes.
Baseado em clássico da literatura barata (Noel Calef), "Ascensor
para o Cadafalso" é um drama
policial de erros e ironias, cujas
peças favorecem a fabricação da
mentira.
E há ainda a reflexão sobre o
quanto as imagens podem revelar. Chabrol e Truffaut moldariam
depois o gênero noir (de extração
americana) na modernidade
francesa.
O filme conta a história do
amor/crime quase perfeito. Com
o boêmio e ex-paraquedista na
Indochina Julien Tavernier (Ronet), Florence Carala (Moreau)
planeja matar o marido, poderoso
homem de negócios.
Julien executa-o, como se fosse
suicídio. Mas, por um lapso, volta
ao lugar do crime e cai na armadilha do acaso. A força é desligada, o
elevador pára e vira veículo para
seu infortúnio.
Objeto de culto e marco no uso
de jazz no cinema, a música original de Miles Davis (registrada em
sessão de improviso quando passou por Paris) vê Florence com luzes da cidade ao fundo fora de foco, enquanto a montagem paralela trama o homem confinado e a
mulher caminhando.
A parada do elevador é funcional, libera movimentos dos personagens no mundo: ela nas ruas
em busca do amado; o jovem casal transviado em tola jornada.
Outro destaque é o olhar de Moreau para a câmera: no início, declama juras e conjurações de
amor; no final, medita sobre sua
sina.
Um achado, neste caso de perdas e paixão partida, é que, durante o tempo do filme, Florence e Julien nunca se encontram.
Vemos os dois "juntos" apenas
em duas cenas, sob mediação técnica: no início, conversam ao telefone, e, no final, quando ela vê o
idílio amoroso (agora morto) ser
eternizado em instantâneos fotográficos.
Ascensor para o Cadafalso
Ascenseur pour l'Échafaud
Direção: Louis Malle
Produção: França, 1957
Com: Jeanne Moreau, Maurice Ronet,
Lino Ventura
Quando: a partir de hoje no Top Cine 2
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