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CRÍTICA
Cineasta tenta recuperar a nostalgia com recursos fáceis
BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA
O que faz um cineasta reconhecido pela originalidade
de filmes autorais e de grande
dramaticidade visual de repente
virar sinônimo de um cinema que
gira em falso, hesitante entre a comédia mais sem graça e o melodrama mais moralista?
No caso de Wim Wenders, a
resposta não é difícil. O cineasta
alemão, antes fascinado pelos
deslocamentos e pelas viagens
que traduzia em comoventes movimentos de câmera, perdeu o pé
no dia em que o fincou no chão,
em Hollywood, e passou a fazer
um cinema sedentário (na verdade, "Até o Fim do Mundo", de
1991, já era o anúncio desse esgotamento pelo paroxismo de seus
deslocamentos desnorteados). "O
Hotel de Um Milhão de Dólares"
é o mais recente exemplo disso.
Baseado numa idéia de Bono
Vox, do U2, o filme conta a história de um hotel decadente, no
centro de Los Angeles, habitado
por marginais e excluídos, entre
eles um simpático idiota (Jeremy
Davies, descoberto em "A Mão do
Desejo") e uma "junkie" com ares
de quem traz uma mensagem divina (Milla Jovovich, depois do
"Joana d'Arc" de Luc Besson).
Um dos residentes, filho proscrito de um magnata da mídia, cai
do telhado do hotel (o mesmo onde o U2 gravou o videoclipe de
"Where the Streets Have no Name") e morre. Tentando impedir
o escândalo, o pai contrata um detetive "high tech", uma caricatura
de ciborgue (Mel Gibson), para
investigar e solucionar o crime
-ou o suicídio.
O filme tem um pouco de tudo o
que Wenders já fez. É uma história sobre "amizade e traição" ("O
Amigo Americano"), "traficantes
e ladrões" ("O Fim da Violência"), trata da separação problemática entre pai e filho ("Paris,
Texas", entre outros), a personagem feminina é um "anjo da rua"
("Asas do Desejo"), e todos são
investigados por um detetive
("Hammett") futurista, que registra tudo com uma câmera fotográfica acoplada ao próprio corpo
("Até o Fim do Mundo").
É como se o cineasta tentasse recuperar, sem saber bem o quê, algo que perdeu ao longo do caminho que o levou até Los Angeles.
Wenders sempre foi fascinado
por uma imagem mítica e idealizada dos Estados Unidos, formada durante seus anos de juventude numa Alemanha bombardeada pela cultura pop americana do
pós-guerra (cinema e rock).
É dessa idealização que tirou a
força dos seus primeiros filmes,
em que os personagens passavam
a vida tentando chegar a um lugar
impossível, imaginário. É o que os
mantinha em movimento.
A distância dos Estados Unidos
permitia ao cineasta imaginar a
América como esse lugar mítico,
com uma originalidade que seria
impossível de dentro da realidade
americana.
Wenders é um cineasta melancólico e nostálgico por excelência.
Mas essa nostalgia só se sustentava porque sofria da perda de uma
terra que nunca existiu, que era
fruto de uma idealização. Era a
melancolia insaciável de quem sonha com um lugar inatingível
("Paris, Texas" é a alegoria desse
lugar), um contraponto mítico do
mundo real dos personagens.
O problema é que, em Hollywood, esse contraponto deixa de
existir, torna-se mera realidade. É
quando Wenders tenta recuperar
a sensação de nostalgia lançando
mão de recursos fáceis como a câmera lenta ou as velhas citações
de quadros de Edward Hopper.
Mas o efeito é apenas artificioso.
O cineasta não sonha mais com
um outro lugar, mas torna a realidade americana o mais artificial
possível. E se perde na falta de distância, como uma câmera que
não consegue mais fixar o foco
devido ao excesso de proximidade.
O Hotel de Um Milhão de
Dólares
The Million Dollar Hotel
Direção: Wim Wenders
Produção: EUA/Alemanha, 1999
Com: Mel Gibson, Jeremy Davies e Milla
Jovovich
Quando: a partir de hoje nos cines
Iguatemi 2, Shopping ABC 2, Tamboré 6
e circuito
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