São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 2000


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CRÍTICA

Cineasta tenta recuperar a nostalgia com recursos fáceis

BERNARDO CARVALHO
COLUNISTA DA FOLHA

O que faz um cineasta reconhecido pela originalidade de filmes autorais e de grande dramaticidade visual de repente virar sinônimo de um cinema que gira em falso, hesitante entre a comédia mais sem graça e o melodrama mais moralista?
No caso de Wim Wenders, a resposta não é difícil. O cineasta alemão, antes fascinado pelos deslocamentos e pelas viagens que traduzia em comoventes movimentos de câmera, perdeu o pé no dia em que o fincou no chão, em Hollywood, e passou a fazer um cinema sedentário (na verdade, "Até o Fim do Mundo", de 1991, já era o anúncio desse esgotamento pelo paroxismo de seus deslocamentos desnorteados). "O Hotel de Um Milhão de Dólares" é o mais recente exemplo disso.
Baseado numa idéia de Bono Vox, do U2, o filme conta a história de um hotel decadente, no centro de Los Angeles, habitado por marginais e excluídos, entre eles um simpático idiota (Jeremy Davies, descoberto em "A Mão do Desejo") e uma "junkie" com ares de quem traz uma mensagem divina (Milla Jovovich, depois do "Joana d'Arc" de Luc Besson).
Um dos residentes, filho proscrito de um magnata da mídia, cai do telhado do hotel (o mesmo onde o U2 gravou o videoclipe de "Where the Streets Have no Name") e morre. Tentando impedir o escândalo, o pai contrata um detetive "high tech", uma caricatura de ciborgue (Mel Gibson), para investigar e solucionar o crime -ou o suicídio.
O filme tem um pouco de tudo o que Wenders já fez. É uma história sobre "amizade e traição" ("O Amigo Americano"), "traficantes e ladrões" ("O Fim da Violência"), trata da separação problemática entre pai e filho ("Paris, Texas", entre outros), a personagem feminina é um "anjo da rua" ("Asas do Desejo"), e todos são investigados por um detetive ("Hammett") futurista, que registra tudo com uma câmera fotográfica acoplada ao próprio corpo ("Até o Fim do Mundo").
É como se o cineasta tentasse recuperar, sem saber bem o quê, algo que perdeu ao longo do caminho que o levou até Los Angeles.
Wenders sempre foi fascinado por uma imagem mítica e idealizada dos Estados Unidos, formada durante seus anos de juventude numa Alemanha bombardeada pela cultura pop americana do pós-guerra (cinema e rock).
É dessa idealização que tirou a força dos seus primeiros filmes, em que os personagens passavam a vida tentando chegar a um lugar impossível, imaginário. É o que os mantinha em movimento.
A distância dos Estados Unidos permitia ao cineasta imaginar a América como esse lugar mítico, com uma originalidade que seria impossível de dentro da realidade americana.
Wenders é um cineasta melancólico e nostálgico por excelência. Mas essa nostalgia só se sustentava porque sofria da perda de uma terra que nunca existiu, que era fruto de uma idealização. Era a melancolia insaciável de quem sonha com um lugar inatingível ("Paris, Texas" é a alegoria desse lugar), um contraponto mítico do mundo real dos personagens.
O problema é que, em Hollywood, esse contraponto deixa de existir, torna-se mera realidade. É quando Wenders tenta recuperar a sensação de nostalgia lançando mão de recursos fáceis como a câmera lenta ou as velhas citações de quadros de Edward Hopper. Mas o efeito é apenas artificioso.
O cineasta não sonha mais com um outro lugar, mas torna a realidade americana o mais artificial possível. E se perde na falta de distância, como uma câmera que não consegue mais fixar o foco devido ao excesso de proximidade.


O Hotel de Um Milhão de Dólares

The Million Dollar Hotel    Direção: Wim Wenders Produção: EUA/Alemanha, 1999 Com: Mel Gibson, Jeremy Davies e Milla Jovovich Quando: a partir de hoje nos cines Iguatemi 2, Shopping ABC 2, Tamboré 6 e circuito



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